Ajustes na operação e manutenção correta das instalações projetadas para manter a temperatura e a umidade do ar em níveis saudáveis e confortáveis em edifícios de uso coletivo, como hospitais, escolas, shoppings e prédios comerciais, podem minimizar o risco de propagação do novo coronavírus, por causa da purificação do ar e melhoria na ventilação e renovação do ar nesses ambientes.
Embora ainda não se saiba muito sobre esse patógeno, os cientistas concordam que o Sars-CoV-2 (novo coronavírus) é altamente contagioso e pode ser transmitido por via aérea, especialmente em locais mal ventilados.
Estudos sugerem que ele se espalha, principalmente, quando pessoas infectadas tossem, espirram ou falam – ações que expelem gotículas respiratórias contendo partículas de coronavírus em combinação com muco ou saliva.
Os cientistas dizem que, se essas gotículas pousarem em superfícies em que podem ser tocadas ou forem inaladas por outras pessoas próximas, elas podem transmitir o coronavírus. Por isso, os protocolos comuns de prevenção são o uso de máscaras, higienização frequente das mãos e distanciamento físico – cerca de dois metros de distância.
Filtragem de ar ajuda a diminuir risco de contaminação em ambientes fechados
Um estudo recente demonstrou que as partículas de coronavírus podem permanecer ativas por até três horas após sua liberação. Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) inicialmente sustentasse que o vírus não poderia se espalhar por meio de aerossóis, recentemente mudou de posição. As diretrizes da OMS agora afirmam que a transmissão aérea do coronavírus é possível.
A reviravolta na OMS ocorreu depois que a agência das Nações Unidas recebeu uma carta aberta de 293 cientistas de todo o mundo pedindo para que reconsiderasse sua posição sobre a transmissão aérea do Sars-CoV-2.
Uma das principais defensoras dessa tese, Lidia Morawska afirma que “o problema não é se a transmissão pelo ar é uma via mais ou menos importante. A chave é onde”.
“Em lugares bem ventilados, isso não é um problema, uma vez que as microgotículas carregadas de vírus são eliminadas de forma rápida e eficiente. Mas se a ventilação não for eficiente, como em muitos lugares públicos cotidianos, essa poderia ser a rota principal de transmissão da doença”, explica.
Radiação UV ajuda a descontaminar o ar de ambientes internos
“A lavagem das mãos e a manutenção do distanciamento físico são as principais medidas recomendadas pela OMS para evitar a covid-19. Infelizmente, essas medidas não impedem a infecção por inalação de pequenas gotículas exaladas por uma pessoa infectada e que podem percorrer uma distância de metros ou dezenas de metros no ar e transportar seu conteúdo viral”, adverte a especialista em saúde e qualidade do ar.
Devido a esse fato, gestores de facilities, especialistas em saúde e segurança do trabalho e outros profissionais do ramo têm colocado em prática ações para otimizar a ventilação e o fluxo de ar em ambientes fechados, com o intuito de limitar a disseminação viral.
Este é, portanto, um bom momento para se pensar em como melhorar a qualidade do ar em edifícios, seja modificando significativamente o sistema de climatização ou fazendo alterações físicas para gerenciar melhor o fluxo de ar interno.
Nova cultura
“Estamos passando por uma grande mudança cultural relacionada aos cuidados com o ar que respiramos. As pessoas tomaram mais consciência dos fatores de riscos que um ambiente com ar em más condições podem conter”, avalia o engenheiro Arnaldo Parra, diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava).
“Estamos passando por uma grande mudança cultural”, afirma Arnaldo Parra, da Abrava
Segundo o especialista em plano de manutenção, operação e controle (PMOC), “os ocupantes de ambientes climatizados começaram a exigir dos proprietários e locatários de edificações de uso público e coletivo um maior cuidado com a manutenção dos sistemas de ar condicionado, para assegurar que esses ambientes estejam em plenas condições de uso e que não sejam agravantes para contaminações de moléstias variadas”.
De acordo com o engenheiro Mario Canale, diretor de qualidade do ar da Associação Sul Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado e Ventilação (Asbrav), os responsáveis por instalações de ar condicionado investiram no aprimoramento dos sistemas de filtragem e no aumento da taxa de renovação do ar, “o que traz uma melhora considerável para a qualidade do ar interno”.
“Os gestores de facilities também estão adotando protocolos de higienização e limpeza dos ambientes. Em determinadas situações, essas medidas foram aprimoradas”, revela.
Na visão do empresário Marcelo Munhoz, presidente do departamento de qualidade do ar de interiores da Abrava (Qualindoor), a pandemia “obrigou todos a darem valor à limpeza dos sistemas de climatização, bem como se adequarem à Lei do PMOC”.
“Aumentar a taxa de renovação de ar nos ambientes internos se demonstrou altamente benéfico para a prevenção do novo coronavírus”, afirma o executivo, salientando que “muitos não sabiam sobre os riscos de se usar um ar-condicionado sem manutenção e sem renovação de ar adequada”.
“Muitas empresas e pessoas não davam valor à QAI, julgando-a como supérflua e apenas como mais um custo desnecessário aos edifícios. Além disso, a sociedade como um todo, que era leiga sobre o assunto, começou a se interessar mais pelo tema e a querer novos produtos”, diz.
Pandemia “obrigou todos a darem valor à limpeza limpeza ativa como lâmpadas UV, filtros eletrostáticos e dos sistemas”, lembra. Marcelo Munhoz, do Qualindoor da Abrava
Segundo o engenheiro de aplicação da Trane, Rafael Dutra, os impactos gerados pela pandemia aumentaram o alerta para a necessidade de edifícios resilientes e saudáveis que atendam os parâmetros de qualidade do ar de interiores de forma consistente com a ocupação a que se propõem.
“Atualmente, o foco da legislação está na limpeza de dutos e troca de filtros. Entretanto, ainda é necessária uma crescente conscientização para as taxas de renovação de ar, graus de filtragem e planos de manutenção adequados. Dessa forma, a demanda por limpeza de dutos e troca de filtros sofreu um aumento significativo, porém a limitação dos sistemas instalados para o aumento de renovação de ar ou filtros mais finos ainda limita o atingimento de um bom grau de qualidade de ar em diversos interiores. Deve-se ainda destacar o aumento de tecnologias de limpeza ativa como lâmpadas UV, filtros eletrostáticos e fotocatalíticos”, destaca.
“Acredito que este seja um tempo de conscientização. Doenças causadas por vírus, bactérias ou fungos fazem parte da nossa realidade. Diante disso, precisamos ter uma postura ativa para a questão da qualidade do ar de interiores, entendendo que essa é uma disciplina que não pode ser negligenciada de forma alguma. Afinal de contas, estamos falando de vidas de pessoas e esse é o nosso maior ativo em qualquer empreendimento”, completa.
Descontaminação do ar
Na avaliação do engenheiro Ricardo Cherem de Abreu, diretor técnico da Dannenge International, o desconhecimento sobre o novo coronavírus ainda “é grande e as recomendações emitidas pelas associações de classe foram tímidas em termos de aplicação de novas tecnologias, como os fotocatalizadores, que dão resposta efetiva para o problema da contaminação aérea”.
“As ações recomendadas – aumentar a renovação de ar, elevar o grau de filtração e usar lâmpada germicida ultravioleta (UV) – são excelentes quando praticáveis e devem ser implementadas, seguramente. O resultado, entretanto, só interfere na concentração de fundo e não dá resposta para a transmissão aérea direta, que pode vir daquele seu colega de trabalho conversando com você frente a frente”, argumenta.
Edifícios também precisam adotar
soluções para minimizar o risco de
transmissão aérea direta do novo
coronavírus, lembra Ricardo Cherem de Abreu, da Dannenge
Segundo especialistas, os sistemas de HVAC potencialmente podem espalhar um vírus pelos ambientes internos quando o ar em alta velocidade flui de uma pessoa infectada para outras, algo que foi demonstrado durante o surto da síndrome respiratória aguda grave, doença causada pelo Sars-CoV-1, em 2004.
“Os sistemas de climatização têm de atuar na diminuição da probabilidade de contaminação, porém, não como hoje estão instalados. Para que eles venham a ser efetivos, é necessário que sejam modificados e/ou suplementados. É preciso considerar agir na concentração de fundo de contaminantes, ou seja, aqueles contaminantes que foram espalhados pela sala através da própria ação do sistema, assim como na concentração de contaminantes na proximidade dos ocupantes, ou seja, que ficam no caminho direto entre uma pessoa que expira e outra que inspira”, ressalta.
“A concentração de fundo pode ser diminuída pelo aumento da taxa de renovação de ar, pela aplicação de filtros finos e pela adoção de purificadores de ar passivos, tipo filtros absolutos, lâmpada UV-C e ionizadores bipolares. A contaminação direta só pode ser diminuída por algum agente que entre no ambiente e reaja ‘in loco’ com os microrganismos patogênicos. Existem no mercado purificadores de ar que geram peróxido de hidrogênio a partir da umidade contida no ar através de um processo de fotocatalização, e o peróxido de hidrogênio – um gás amigável, mas fortemente oxidante –, comprovadamente, desativa vírus e elimina bactérias, fungos e mofos. Por estar espalhado no ambiente, atua tanto na possível contaminação por concentração de fundo quanto na contaminação por transmissão aérea direta”, acrescenta.
Em meio à pandemia, “algumas soluções que trazem risco à saúde foram sugeridas, como purificação com ozônio, que é extremamente agressivo e de uso proibido pelos órgãos de controle da saúde do trabalho, e as lâmpadas UV em túneis ou em dispositivos que deixam essas lâmpadas aparentes, liberando irradiação prejudicial à saúde”, alerta o executivo, lembrando que, nestes tempos, “a desinformação é grande e até os responsáveis por políticas sanitárias contribuem com esse processo”.
“A OMS demorou mais de seis meses para reconhecer a possibilidade de transmissão aérea do novo coronavírus por aerossóis e, mesmo assim, só o fez sob pressão da comunidade científica”, exemplifica.
Mitos sobre o ar-condicionado
Construções modernas não foram projetadas para ter ventilação natural através de portas e janelas, alerta Leonardo Cozac, da
Conforlab
Desde o início da pandemia de covid-19, diversos mitos sobre os condicionadores de ar têm sido espalhados pela mídia. “O que mais tenho visto é a informação de desligar aparelhos de ar condicionado e abrir portas e janelas como solução geral para os ambientes. Essa não é a orientação correta. Os ambientes fechados modernos não foram projetados para ter uma ventilação natural através de portas e janelas. Não há garantia que dessa forma o ambiente terá uma ventilação adequada que irá assegurar a troca constante do ar dentro dos ambientes. O correto é o responsável técnico legalmente habilitado dos ambientes climatizados orientar o que fazer, ou seja, se o sistema de climatização está adequado e irá garantir essa renovação do ar ou se o local precisa de adequação”, diz o engenheiro Leonardo Cozac, diretor da Conforlab.
Outro mito que vem sendo propagado na pandemia é o de que o ar-condicionado ajuda a transmitir o vírus. “Houve reportagem sobre isso em meados de abril e muita desinformação foi disseminada na ansiedade do momento e a recomendação era para desligar o ar-condicionado. Outros casos menos notórios foram a contínua divulgação de que certos tipos de filtros ou tecnologias eram eficazes para combater o vírus, porém sem uma comprovação científica independente”, lembra Rafael Dutra, da Trane.
“Nestes tempos de informação rápida e descentralizada, um pouco de ceticismo e cautela é fundamental para não cair nos alarmismos ou nas soluções milagrosas. Por isso, é de nossa responsabilidade a disseminação de informações bem embasadas e de forma clara, como os posicionamentos técnicos da Ashrae e Abrava, que foram amplamente divulgados e ajudaram a mitigar esse problema de informações equivocadas”, acrescenta.
Em abril, a Ashrae publicou um documento de posição sobre aerossóis infecciosos, salientando que os sistemas de ventilação, filtragem e distribuição de ar e tecnologias de desinfecção, entre as quais a irradiação germicida ultravioleta, têm o potencial de limitar a transmissão de patógenos pelo ar e, assim, ajudar a combater a propagação da covid-19/coronavírus.
“A ventilação e a filtragem fornecidas pelos sistemas de HVAC podem reduzir a concentração de Sars-CoV-2 no ar e, portanto, o risco de transmissão aérea”, enquanto “espaços não climatizados podem causar estresse térmico às pessoas, que podem ter a vida diretamente ameaçada, e também podem diminuir a resistência à infecção”, diz a publicação da organização técnica global que reúne mais de 120 mil membros em 132 países.
Consequentemente, “desligar os sistemas de HVAC não é uma medida recomendada para reduzir a transmissão do vírus”, alerta.
Num comunicado divulgado em maio, Associação Portuguesa da Indústria de Refrigeração e Ar Condicionado (Apirac) reiterou que “é completamente falso que o ar-condicionado transmite a covid-19”, alegando que as informações contrárias não têm base científica.
“Quer na informação dada pela OMS, quer na das outras entidades globais e europeias que tratam desses assuntos, em nenhum lado li que se deve desligar esses aparelhos”, disse, à época, o presidente da associação, Fernando Brito.
A ventilação é mais importante do que nunca e, ao contrário, os condicionadores de ar “são uma arma para combater a doença” respiratória, afirmou o dirigente.
“Meios de comunicação não são conhecedores do assunto climatização”, avalia Carlos Trombini, do Sindratar-SP
O presidente do Sindicato da Indústria de Refrigeração, Aquecimento e Tratamento do Ar no Estado de São Paulo (Sindratar-SP), Carlos Trombini, avalia que “os meios de comunicação não são conhecedores do assunto climatização”, e que “são influenciadores, mas não procuram conhecer o nosso trabalho. Apenas usufruem do conforto, mas não percebem e não têm preocupação em saber de nossa preocupação com a segurança sanitária que envolve nossos projetos e instalações”.
No entanto, “o pior dos absurdos que eu escutei veio do Ministério da Saúde, que veiculou um vídeo informando que os sistemas de climatização são propagadores da covid-19 e que foi motivo de contestação do Comitê Nacional de Climatização e Refrigeração (CNCR)”.
Em junho, o comitê empresarial também manifestou sua preocupação com a forma da divulgação de um estudo realizado na cidade chinesa de Wuhan, que atribuiu ao ar-condicionado a responsabilidade pela disseminação da covid-19/coronavírus entre clientes de um restaurante local.
“A referida notícia carece de fundamentação científica melhor elaborada, como informado, inclusive, no artigo original, e não esclarece sobre quais condições de operação e higiene o citado ambiente se encontrava, nem tampouco os históricos de saúde dos usuários, anterior e posterior à alegada data quando se considerou o fato”, disse a entidade.
“Em vez de auxiliar a população a melhor conhecer e entender os benefícios que equipamentos e sistemas de ar condicionado bem instalados e operados sob procedimentos corretos de manutenção e operação, a capacidade da eficiente renovação do ar, além de filtros e componentes permanentemente limpos e periodicamente substituídos, isso pode criar, erroneamente, a interpretação contrária, contradizendo a definição de normas técnicas e da Lei do PMOC”, criticou.