O frio que ajuda a curar

A pandemia de covid-19 que assola o País trouxe à tona uma questão nem sempre lembrada pela população, sequer em tempos normais: a necessidade de se armazenar com a devida refrigeração a grande maioria dos medicamentos, principalmente os injetáveis.

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No caso das vacinas, trata-se de um pré-requisito, alardeado aos quatro ventos pela imprensa fluminense ao relatar, no final de março, que profissionais da saúde locais receberiam em suas casas doses contra influenza H1N1 a serem ministradas no grupo de risco em clínicas, hospitais e condomínios em suas próprias vizinhanças.

Pelo menos uma das fotos estampadas pelos jornais do Rio mostrava uma técnica de enfermagem ostentando uma singela geladeira de isopor contendo no máximo 50 ampolas, limite estabelecido pela secretaria municipal nessa operação pioneira e emergencial.

Contudo, quem atua no HVAC-R ou em laboratório farmacêutico sabe muito bem que a complexidade do tema vai muito além disto, da mesma forma que a conservação de pescados não se resume aos cuidados elementares do pescador no trajeto desde rios e mares até a casa do consumidor.

“Os fornecedores de refrigeração atualmente buscam se aperfeiçoar e adequar seus equipamentos para atender melhor às necessidades do mercado farmacêutico, especificamente o conceito das boas práticas.”

Quem opina é Sonja Helena Macedo Preto Borges, farmacêutica bioquímica, mestre em ciência de alimentos pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que atua profissionalmente na área há 20 anos, inclusive escrevendo livros, ministrando palestras e dando aulas de pós-graduação.

Segundo a especialista, o pleno sucesso do trabalho, tanto dela quanto dos seus muitos colegas espalhados pelo mundo, depende, em boa medida, da qualidade da infraestrutura de frio, segmento no qual a pesquisadora identifica, no Brasil, um amadurecimento crescente, sobretudo após a grande transformação promovida em sua área a partir de 2017.

Mas só vamos chegar a um estágio mais próximo do ideal quando houver um maior conhecimento do HVAC-R sobre as rigorosas diretrizes de qualidade da indústria de fármacos.

Profissional diz que Brasil está se aperfeiçoando ao mercado de medicamentos

Indústria do frio busca aperfeiçoar e se adequar para atender às necessidades do mercado farmacêutico, diz Sonja Borges

Essa deficiência Sonja afirma ser flagrante quando se observa a falta de manutenção adequada, além daquilo que a profissional define como “demais apoios técnicos necessários”. “Mas isso tudo pode ser minimizado com a atuação de pessoal qualificado e com conhecimento técnico para atender tal demanda”, acrescenta.

Em sua análise, tudo depende da decisão estratégica das empresas em preparar de forma adequada o seu corpo técnico, atitude que tende a resultar em parques fabris mais bem instalados e mantidos.

“Hoje, porém, não se pode dizer que exista em nosso País mão de obra especializada em refrigeração de medicamentos. O que temos são bons profissionais atuando em empresas que investem em capacitação e qualidade de serviço nesse campo”, diz a farmacêutica.

O caminho sugerido por ela para um salto qualitativo se baseia na postura de indústrias e técnicos, ao valorizar cursos de aperfeiçoamento e especialização, além de promover e participar intensamente de encontros e reuniões técnicas.

“Melhor controle das áreas de armazenagem dos medicamentos, conforme sua especificação de temperatura, torna-se essencial para garantir qualidade, um cuidado que precisa se estender a todo o processo logístico. Essas são tendências de um caminho sem volta”, prevê.

Ao concluir seu raciocínio, a expert resume em três pilares a receita para o surgimento de uma nova realidade, que só tem a beneficiar todos os elos da cadeia produtiva, chegando inevitavelmente às unidades de saúde e, em última análise, à casa do consumidor. “Qualificação de equipamentos, pessoal igualmente qualificado e boas práticas”, sentencia a doutora.

 Mão na massa

No mesmo Rio de Janeiro, onde as vacinas contra a gripe estão chegando de forma segura às casas dos idosos, mesmo transportadas rapidamente em geladeiras de isopor, um profissional do HVAC-R, que há mais de 30 anos se dedica a atender o setor farmacêutico, sabe perfeitamente que estoque e locomoção de medicamentos por períodos prolongados requer cuidados bem maiores.

Bastante conhecido pelos clientes e colegas, inclusive de outros estados, Vandic Robson da Rocha é o que se pode chamar de uma referência nesta seara.

Engenheiro mecânico, com extensão universitária em ar condicionado e dois MBA, ele começou como técnico e hoje é sócio-diretor da carioca Set Frio.

Ao avaliar a possibilidade de tempos promissores no segmento que foi um dos primeiros a abraçar, ele considera a cadeia de construção de estruturas e equipamentos de HVAC-R para vacinas e medicamentos realmente em ritmo de expansão.

“Isso vem acontecendo em função do crescimento das políticas públicas de inclusão e o crescimento das redes de saúde, com a aquisição de empresas menores por grupos investidores”, analisa o profissional.

Engenheiro exalta expansão na área de medicamentos

Cadeia do frio para vacinas e medicamentos está em expansão, revela Vandic Rocha, da Set Frio Engenharia

No entanto, ele se preocupa com a curva de aprendizagem para empresas desse segmento, o que pode dificultar a execução de grandes trabalhos na área. “Quem já tiver um projeto pronto para oferecer a este mercado sairá na frente”, analisa.

Para contornar essa dificuldade, ele aconselha o mercado a contratar um projeto básico e ter disponíveis em sua equipe técnica profissionais com experiência em montagem de unidades de grande porte, dotadas de uma boa automação.

Até mesmo, porque não será da noite para o dia que o número ideal de players nacionais especializados nesde tipo de fornecimento chegará ao mercado. “Investidores e empresários contratam empresas que já têm expertise na área, reduzindo a concorrência, o que acaba criando uma barreira natural”, reconhece.

Porém, de uma forma geral, Vandic define o parque nacional voltado à produção desses equipamentos plenamente apto a satisfazer as necessidades especialíssimas de quem produz itens comprometidos com a saúde humana.

Mas a consolidação desse quadro ele vincula, necessariamente, à ampliação da rede de instaladores e projetistas do HVAC-R especializados no segmento, com pleno domínio dos aspectos automação e monitoramento na cadeia do frio (câmara, antecâmera, transporte), bem como dos Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) para atender a legislação e as resoluções RDC, da Anvisa, relacionadas às boas práticas do setor farmacêutico.

Para Vandic, conta igualmente a favor desse grande campo a ser explorado a padronização de instalações nos âmbitos municipal, estadual e federal, o que permite a adequação e padronização de sistemas de média e baixa temperatura, em que o custo de energia ainda é muito alto. “A empresa que incluir em seu projeto geração fotovoltaica on grid terá um diferencial competitivo”, exemplifica.

Finalmente, para atualizar da mesma forma o contingente de profissionais capazes de atuar com sucesso neste nicho tão específico, o especialista defende a intensificação da rede Jovem Aprendiz, além da realização de cursos focados nas áreas farmacêutica e hospitalar, abordando tanto projeto quanto instalação e monitoramento remoto de sistemas.