Fusão entre energia solar e sistemas de climatização oferece potencial significativo
A busca por soluções sustentáveis para enfrentar os desafios energéticos e ambientais tem levado a uma convergência cada vez maior entre a energia solar e os sistemas de climatização. Esta fusão não só promete reduzir a pegada de carbono das edificações, mas também aumentar a eficiência energética, trazendo benefícios tanto ambientais quanto econômicos.
Vale destacar que no Brasil, a energia solar foi regulamentada em 2012, por meio de uma Resolução Normativa nº 486 através da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que dizia que os consumidores das classes residencial, comercial ou industrial conectados ao sistema elétrico brasileiro através desse processo de energia poderiam fazer a sua própria geração de energia. Cinco anos mais tarde, a ANEEL revisou a Resolução 486, instituindo a Resolução nº 687. Em 2022, foi sancionada a Lei 14.300, conhecida como o Novo Marco Legal de Geração Distribuída e que trouxe algumas mudanças para a mini e microgeração de energia solar, uma vez que instalação de projetos de geração solar distribuída cresceu de forma significativa, somando 2 milhões de sistemas solares instalados em 2023, segundo a Agência Brasil. Em fevereiro de 2023, após pouco mais de um ano de debates e discussões entre agentes do setor de energia solar, a Agência Nacional de Energia Elétrica regulamentou a Lei 14.300/2022, trazendo as regras atualizadas sobre sistemas solares, produção de energia e compensação de créditos junto a concessionárias.
Diante deste cenário, o setor de HVAC-R tem observado esse crescimento significativo na adoção de energias renováveis, especialmente a energia solar, impulsionado pela busca por eficiência energética e redução de custos operacionais, apresentando um potencial considerável para a integração da energia solar em sistemas de climatização.
Segundo Vinicius Suppion, especialista técnico-regulatório da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), os benefícios da convergência das duas tecnologias (energia solar e sistemas de climatização) são diversos, como a redução do gasto com energia elétrica, principalmente em períodos em que bandeiras tarifárias encarecem ainda mais o valor do kWh.
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“Também podemos citar a possibilidade de utilização do sistema de climatização em sua plena capacidade, sem restrições de tempo ou intensidade de uso. A utilização do sistema fotovoltaico, local ou remoto, é uma forma de garantir que a energia consumida seja realmente produzida por uma fonte limpa e renovável, sem qualquer parcela de geração térmica, que além de poluente, também onera o consumidor de eletricidade pelo seu alto custo de operação. Outro ponto interessante que vale ser ressaltado é que o pico de geração solar ocorre no pico da carga térmica, geralmente às 14 horas, o que contribui para um uso eficiente dos sistemas solares fotovoltaicos em sistemas de climatização”, informa Suppion.
Ele explica que sistema solar fotovoltaico é usualmente integrado à instalação elétrica da residência, comércio ou indústria, sendo os módulos fotovoltaicos instalados no telhado ou em áreas livres de sombreamento. Porém, esta não é a única alternativa, a unidade geradora pode ser instalada em local diferente da unidade consumidora, utilizando-se do sistema de distribuição para a circulação da energia. Neste caso, a energia entregue à concessionária de energia, pela unidade geradora solar, será abatida do consumo da unidade consumidora.
“O consumidor não precisa ser proprietário de um sistema de geração individual. Ele pode fazer parte de consórcio, cooperativa ou outras formas associativas previstas em Lei que permitam integrar empreendimento de geração de energia solar fotovoltaica, com a disponibilização da energia gerada às unidades consumidoras indicadas pelos integrantes. A instalação para abastecimento de estabelecimentos sem acesso ao sistema elétrico também é possível a partir do uso de baterias. Sabemos que sistemas de climatização costumam estar entre as maiores cargas das unidades consumidoras que os utilizam, se tornando onerosos quanto ao consumo de eletricidade. Esta é, em muitos casos, a principal limitação para que o sistema de climatização possa ser livremente utilizado e para que se atinja o resultado esperado pelo usuário. A energia solar fotovoltaica é uma solução para que se tenha disponibilidade de energia elétrica com custo inferior a consumir eletricidade da rede, trazendo, como vantagem adicional, independência dos constantes aumentos de tarifa de energia elétrica. O sistema solar fotovoltaico irá trabalhar como uma fonte de energia de baixo custo para o sistema de climatização e outras cargas que demandem alto consumo de energia elétrica. Muitas vezes, o que limita um projeto de climatização é o consumo energético. Desta forma, a energia solar permite a utilização de um sistema adequado à necessidade do cliente em termos de ambiente, não visando obter o melhor resultado possível dentro de um limite de gasto de energia. Por exemplo, instalações que se utilizam de sistemas de climatização menos demandantes em termos de energia, como climatizadores evaporativos, ventiladores de baixa pressão ou sistemas de microaspersão, poderiam migrar para sistemas de ar-condicionado, sejam eles de expansão direta ou indireta, o que permitirá uma maior faixa de controle da temperatura e de outras características do ambiente”, explica Suppion.
Na visão de Bruno Herbert, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (ABESCO), uma das grandes vantagens de utilizar energia solar é a questão do benefício financeiro. “Projetos com energia solar tem um payback de, mais ou menos, quatro anos. Obviamente, uma empresa capacitada vai dimensionar o consumo da unidade, seja ela residencial, comercial ou industrial, e desenvolver um projeto para aquele consumo específico. Tanto para o sistema de climatização como para refrigeração, qualquer uso que se faça da energia elétrica, a geração distribuída permite que você possa gerar sua própria energia num ponto de consumo ou de forma remota, e utilizar o sistema de compensação. É desta forma que está funcionando atualmente a energia solar no Brasil. Em outras palavras, eu posso ter uma propriedade rural e criar a minha fazenda solar compensando os créditos, ou seja, posso gerar 1.000 kWh, que é a unidade de energia, consumir apenas 500 e ficar esses créditos de 500 kWh, que podem ser utilizados em até 60 meses. Para integrar a energia solar e sistema de climatização em edifícios comerciais e residenciais, por exemplo, a limitação muitas vezes é o espaço. Então, esses edifícios precisam ter uma estrutura, além da sua carga leve em consideração a carga de itens como telhado etc. Já existem edifícios com arquitetura pensada para suportar em sua cobertura um projeto de energia solar, levando em consideração a sobrecarga no peso”, explica.
Considerações de projeto
Integração da energia solar e sistemas de climatização requer planejamento, levando em consideração as características específicas do local, as necessidades de energia do edifício e as condições climáticas.
De acordo com Aurélio Souza, conselheiro da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), todos os sistemas de climatização podem ser combinados com a energia solar. “Sistemas de climatização são consumidores de energia elétrica, e a energia solar é um produtor de energia elétrica, então não existe distinção. Qualquer tamanho, qualquer porte, obviamente quanto maior o sistema, maior seria a usina solar. Ressalto também que estamos falando de sistema de refrigeração tradicionais. Existe a possibilidade de fazer o frio com calor e nesse caso você poderia usar a energia solar térmica para a produção de calor e usar, por exemplo, chillers de adsorção. Com isso, você produz energia térmica e produção de frio usando, não somente a eletricidade, mas a fração de energia térmica do sol ou a energia do espectro infravermelho, que gera calor. As considerações de projeto são os mesmos requisitos de conexão de um sistema solar com a rede de energia, então são definidos por normas técnicas e regulatórias que foram consolidadas pelas concessionárias de energia, então cada concessionário tem uma especificação, mas basicamente pelos sistemas de climatização serem uma carga elétrica, ao se conectar a energia solar na própria rede do prédio, do comércio ou da indústria, não tem que se mexer em quase nada na rede interna, basicamente é um projeto de conexão à rede da concessionária de energia como definido nas Resoluções 482 e 687 e suas atualizações, e por fim, a Lei 14.300 e cada concessionária tem o seu padrão técnico a ser seguido que pode diferenciar um do outro”.
Souza acrescenta que, a tecnologia de armazenamento de energia solar pode ser aplicada de diversas formas, tanto na eficiência do sistema de climatização, como na gestão de consumo e qualidade de energia. O armazenamento também garante uma melhor qualidade da rede interna de energia e permite o despacho da energia solar. Então, nos horários que a energia solar é mais barata ela é armazenada nas baterias, e no horário em que a energia consumida é mais cara, você pode usar a energia das baterias que foi gerada pelo sol. Isso pode ser aplicado, por exemplo, em sistemas de climatização que operam no horário da ponta, se beneficiando de uma energia mais barata, gerada ao longo do dia e armazenada e consumida quando ela é mais cara.
Painéis solares cada vez mais eficientes, inversores híbridos, geração de energia remota e sistemas de climatização mais eficientes e sustentáveis com o uso de inversores com controle inteligente são itens apontados por Sergio Martins de Oliveira, diretor técnico da ABESCO.
“O sistema de climatização, estando instalado na rede de distribuição elétrica do cliente, poderá se utilizar da energia solar gerada. Utilizando-se das proteções, monitoramento e supervisão adequada, todo kWh necessário poderá ser suprido pela geração solar. Há muitos benefícios nessa conversão, os principais são a redução de demanda do sistema distribuidor de energia, redução dos custos na conta de energia, baixo custo com manutenção e longa vida útil. Inicialmente, desenvolver o projeto e aprovar junto à concessionária, viabilizar o investimento, seja financiado, seja com recursos próprios, é o grande desafio para estes clientes, além da disponibilidade de áreas para implantação da captação da energia solar, bem como a infraestrutura para interligar ao sistema elétrico existente. O desafio de armazenar se depara com a qualidade e vida útil de baterias atualmente em uso, que pode ser suprimida com novas tecnologias recentes. A geração de energia limpa combinada com o uso inteligente, controlado e automatizado especificados em projeto dos sistemas de climatização, contribuem diretamente na redução das emissões de carbono e redução das mudanças climáticas. Novas regras para sistemas solares foram implantadas em 2023. Com isso, cobranças incidentes nas contas de energia foram introduzidas para compensar o uso do ‘’fio’’ da concessionária. Essa compensação aumentou no tempo de amortização do investimento necessário, incentivando o uso da energia solar no setor de HVAC-R”, aponta Oliveira.
Levando em consideração as premissas de projeto, é importante entender a demanda por energia elétrica do cliente para que se possa dimensionar corretamente o sistema solar fotovoltaico. Ainda, caso se opte pela geração local, é necessário estar atento à disponibilidade de área sem sombreamento para a instalação dos módulos fotovoltaicos, lembrando que se pode também optar pela geração remota.
“A regulamentação define os requisitos técnicos para a implementação e utilização das tecnologias. Atualmente, no país, até onde conhecemos, não há requisitos técnicos específicos para a implementação de um sistema solar fotovoltaico para atendimento de instalações com sistemas de climatização, que sejam diferentes de requisitos para sistemas para atendimento de outros tipos de cargas. Porém, a energia solar fotovoltaica conta com diversos benefícios que permitem a redução do custo dos equipamentos e o uso da rede para a injeção e compensação de energia. A principal tendência é que a partir de estudos específicos possam se estabelecer padrões que permitam a otimização do resultado da associação de ambos os sistemas e a garantia da segurança e da qualidade da instalação. Garantir que cargas com ampla demanda de energia sejam abastecidas com eletricidade gerada por meio de fontes renováveis e limpas é essencial para a redução das emissões de carbono, visto que a energia elétrica da rede também provém de fontes fósseis. Para o atendimento das metas de mitigação da mudança climática, é essencial que não apenas a descarbonização do setor elétrico seja feita, mas também uma grande ampliação do setor elétrico por meio de fontes limpa e renováveis, se tornando possível a transição de setores que ainda hoje se utilizam amplamente de combustíveis fósseis, como é o caso do setor de transportes, para a energia elétrica limpa”, revela o especialista da ABSOLAR.
Ele acrescenta que existe uma variedade de artigos acadêmicos que demonstram os benefícios da associação de sistemas solares fotovoltaicos à sistemas de climatização. A International Energy Agency (IEA) tem um grupo de estudos focado neste tema, com diversas publicações disponíveis, o projeto se chama Solar Heating & Cooling Programme (SHC). O SHC também trabalha para o desenvolvimento de padrões para a utilização destes sistemas de forma conjunta.
Desafios e oportunidades
Apesar do potencial e do crescimento observado, o setor enfrenta desafios. A alta carga tributária, a burocracia para a implementação de projetos de energia renovável e a necessidade de maior conscientização e capacitação técnica são algumas das barreiras que ainda precisam ser superadas. No entanto, as oportunidades superam esses desafios, especialmente quando consideramos a economia gerada a longo prazo e os benefícios ambientais associados ao uso de energia solar.
Existem vários casos de sucesso no Brasil de integração da energia solar em sistemas de HVAC-R, tanto em ambientes comerciais quanto industriais. Empresas estão investindo em sistemas fotovoltaicos para alimentar suas operações de refrigeração e ar-condicionado, reduzindo significativamente seus custos com energia elétrica e minimizando sua pegada de carbono.
Além disso, a tendência é que tecnologias como o armazenamento de energia solar avancem, permitindo que sistemas de HVAC-R operem com ainda mais eficiência e independência da rede elétrica. A inovação em painéis solares mais eficientes e em sistemas de HVAC-R otimizados para o uso com energia renovável também é uma tendência forte no mercado brasileiro.
Segundo Suppion, o valor dos sistemas solares fotovoltaicos reduziu muito nos últimos anos, mas ainda pode ser um valor considerável caso o consumidor queira pagá-lo com recursos próprios e de uma única vez. Para contornar o problema do custo dos equipamentos, hoje existem várias linhas de financiamento para sistemas solares fotovoltaicos que permitem um desembolso gradual, amenizado pela redução da conta de energia elétrica pela operação do sistema.
Com a criação de normas técnicas, resoluções e a própria Lei incentivando a energia solar, entre outras políticas governamentais, como os programas de eficiência energética criado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, aplicações da energia solar fotovoltaica nos projetos de eficiência energética são impulsionadas.
“Existe o marco regulatório, existe financiamento, existe a lei, então basicamente é uma decisão econômica do consumidor de energia ou do sistema de refrigeração ser alimentado com energia solar. Uma boa fonte de informação e estudos de caso são os projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e do PEE, que é o Programa de Eficiência Energética da ANEEL, onde existe especificamente uma classificação para projetos que prevê a utilização de energia solar, com projetos comerciais e industriais, e preparos para utilizar a energia solar, seja num shopping ou num supermercado, e certamente esse sistema de energia solar que estiver conectado está abastecendo esses sistemas de refrigeração. O Brasil possui uma matriz energética bastante limpa do ponto de vista de geração de energia. Então, as emissões associadas à geração de energia do Brasil são maiores que a média quando se partem as usinas termoelétricas a gás ou a carvão. E essas usinas têm partido principalmente para suprir demandas do pico de energia e baixo nível de água nos reservatórios das hidroelétricas. Hoje, esse pico de energia está muito associado à refrigeração como um todo. É evidente que nos últimos anos, a refrigeração passou a ter uma participação maior no consumo de energia no horário da ponta que ocorre à tarde por conta das ondas de calores extremos associados à mudança climática. Então, usando energia solar para abastecer os sistemas de climatização e refrigeração, você diminui a necessidade de se valer de termoelétricas a gás e a carvão, economiza água nos reservatórios, e com isso, diminui as emissões associadas à geração de energia no setor elétrico brasileiro. Acho que é um casamento perfeito e isso vai ser cada vez mais uma questão primordial para as empresas, comércios e indústrias, principalmente quando eles olham a redução de emissões associadas ao seu escopo 1 em 2 de emissões de gás e efeito estufa”, conclui o conselheiro da ABDG