Levantamento do Green Building Council Brasil revela que 37% das emissões de carbono são oriundas dos edifícios, e estão divididas entre as fases de construção (10%) e de operação (27%).
Longe de um acordo sobre ações para conter – ou mesmo minimizar – os efeitos das mudanças climáticas nos próximos anos, os governantes em todo mundo continuam perdendo a já desgastada credibilidade nesse tema, conforme ficou patente na 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), realizada em novembro de 2022, em Sharm el-Sheikh (Egito).
A ausência de uma convenção estatal sobre a busca por soluções para o problema ambiental está abrindo caminho para o protagonismo da iniciativa privada. Nesse contexto, a indústria do frio e da construção civil têm investido em pesquisa e tecnologia para tornar os novos imóveis cada vez mais “verdes” – é a chamada descarbonização.
Globalmente, segundo o Green Building Council Brasil, 37% das emissões de carbono são oriundas dos edifícios, e estão divididas entre as fases de construção (10%) e de operação (27%), especialmente pelo alto consumo de energia.
“A tendência é haver avanços, e devemos aproveitar a oportunidade para assumirmos o compromisso de fazer parte desse processo. Hoje, a principal ação para mitigação das emissões operacionais são os projetos de eficiência energética”, argumenta o CEO do GBC Brasil, Felipe Faria, que em 2021 foi reeleito para um novo mandato no World Green Building Council.
O Green Building Council Brasil ajudou a construção civil nacional a se tornar um dos cinco principais mercados do mundo para a certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), voltada para construções sustentáveis.
“Além de ser destaque em matéria de edificações com certificação, o Brasil tem aumentado o percentual de projetos certificados que atingem o nível Platinum da certificação, ou seja, o mais alto nível de desempenho em eficiência. Enquanto no mundo, apenas 8% dos projetos são Platinum, aqui no País é de 11%”, menciona Faria.
O gestor explica que em torno de 40% das certificações Platinum emitidas no Brasil ocorreram nos últimos três anos, e o percentual, medido até o final de outubro de 2022, chegou a 26%, o maior do mundo. A Índia ficou com 24% e a Itália, com 23%.
“A principal ação para mitigação das emissões operacionais são os projetos de eficiência energética. Acompanhando o resto do mundo, e por vezes possuindo edificações que se destacam, vemos uma maior receptividade para o investimento em inteligência de engenharia e arquitetura de modo a buscar as melhores escolhas visando maximizar a eficiência e a redução da carga térmica da edificação”, complementa Faria, ao também se referir ao importante papel desempenhado pelo HVAC-R no processo de descarbonização.
De acordo com o Comitê de Artigos Técnicos da Smacna Brasil, em uma edificação com sistema de climatização operante, o ar-condicionado representa, em média, de 40% a 80% da demanda energética.
“Assim, diversas políticas públicas, normas e diretrizes estão sendo desenvolvidas para estimular a descarbonização de edificações, seja para edifícios novos ou para o retrofit daqueles já construídos”, enfatiza a associação técnico-científica.
Ainda segundo a Smacna Brasil, “a descarbonização de edifícios deve considerar o projeto, a construção, o retrofit e a operação das edificações, sendo alguns exemplos a redução das emissões de carbono nas operações e durante a construção; diminuir a demanda de energia, preservando a qualidade e funcionalidade dos ambientes internos; adotar fontes de energia renovável; e reduzir o carbono incorporado nos materiais estruturais, do envelope e dos sistemas dos edifícios”.
O engenheiro Walter Lenzi, presidente do Ashrae Brasil Chapter e sócio-diretor da W&R Lenzi, reforça que o processo de descarbonização de edifícios abrange todo o ciclo de vida do empreendimento, incluindo projeto, construção, operação, ocupação e fim de vida.
“Construção civil, uso de energia, vazamento de metano e refrigerantes são as principais fontes de emissões de gases de efeito estufa. A avaliação do ciclo de vida do edifício envolve a consideração de emissões operacionais, geralmente provenientes do uso de energia, e incorporadas, as quais abarcam as emissões de GEE associadas à construção de edifícios, incluindo extração, fabricação, transporte e instalação de materiais de construção, bem como as emissões geradas por manutenção, reparo, substituição, reforma e atividades de fim de vida. As emissões incorporadas também incluem perdas de refrigerante ao longo do ciclo de vida do edifício”, detalha o especialista.
Segundo Lenzi, os principais meios para reduzir as emissões de GEE dos edifícios são diminuir o uso de energia do edifício por meio da eficiência energética; reduzir o carbono incorporado na construção; adotar a eletrificação energeticamente eficiente das necessidades de energia do edifício; projetar prédios para otimizar a flexibilidade da rede; fornecer energia renovável no local; e descarbonizar a rede elétrica.
Há diferenças importantes entre o processo de descarbonização de um edifício comercial e de um residencial novo e usado. Enquanto o empreendimento novo pode ser comparado com uma simulação computacional de consumo de energia com referência ao projeto, o edifício já existente passa por estudo de eficiência energética, análise do consumo de energia do edifício e sistemas prediais (chamado de walkthrough análises 01, 02, 03), além de posterior implantação das possíveis melhorias. Com isso, pode ser verificada a economia de energia alcançada com os novos sistemas comparando-se com os últimos 12 meses de consumo.
HVAC-R na dianteira
Especificamente, a indústria de aquecimento, ventilação, ar condicionado e e refrigeração pode colaborar promovendo uma série de intervenções nos modelos de gestão de sistemas de refrigeração e climatização, principalmente quando participa de projetos.
A Smacna Brasil, por exemplo, visualiza diversas oportunidades interessantes surgindo para o HVAC-R, que vem despontando no atendimento das demandas de sustentabilidade e maior eficiência energética, inclusive estimulando o respeito às normas internacionais.
A organização entende que o HVAC-R desempenha um papel decisivo para a redução das emissões de carbono nos edifícios, pois a cadeia produtiva do frio tem se desenvolvido tecnologicamente para atender às demandas de sustentabilidade e eficiência energética, incluindo as normas internacionais.
Para começar, a entidade entende ser fundamental eliminar liberações de refrigerante, minimizando vazamentos e usando produtos de baixo potencial de aquecimento global (GWP, na sigla em inglês); adotar válvulas eletrônicas, parâmetros de automação e setpoints de sistemas mais inteligentes; instalar variadores de frequência e sistemas de bombeamentos mais eficientes, além de equipamentos energeticamente que consomem menos energia.
Na fase da construção, há emissão direta com a atividade construtiva de canteiro de obra, toda a logística dos fornecedores e funcionários que emitem gases de efeito estufa com o transporte e o carbono incorporado – emitido no processo industrial de cada material e produto utilizado na construção, como aço, cimento, concreto, alumínio, cerâmica, madeira, vidro.
“O carbono incorporado é um assunto que gera muita discussão porque faltam dados e informações da indústria. Precisamos que o setor da construção civil faça estudos de avaliação de ciclo de vida dos seus produtos. Deve-se analisar o desempenho ambiental desde a extração da matéria-prima até o produto estar pronto”, propõe Felipe Faria, do Green Building Council Brasil.
A boa notícia, ressalta o executivo, é que o Ministério de Minas e Energia criou, em 2022, o Sistema de Informação de Desempenho Ambiental da Construção (Sidac), plataforma gratuita para a indústria realizar sua avaliação de ciclo de vida com foco em intensidade energética e carbono incorporado.
Diretor-adjunto do Departamento Nacional de Meio Ambiente da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava) e presidente da Câmara Ambiental do Setor de Refrigeração, Ar Condicionado, Aquecimento e Ventilação da Cetesb, Thiago Pietrobon, fundador da Ecosuporte, também entende que a área de refrigeração e climatização é uma das protagonistas das iniciativas de redução das emissões de carbono em edifícios.
“Nesse tipo de levantamento, aspectos como refrigeração, climatização conforto térmico e renovação de ar são indicadores fundamentais para a estruturação de processos de descarbonização. Um bom projeto busca o equilíbrio entre cada um desses itens e a harmonia com bons projetos arquitetônicos. Dessa forma, permite-se extrair da natureza tudo o que ela pode fornecer em termos de qualidade ambiental e beleza estética, sem agredir o meio ambiente”, completa o dirigente.
Estudo mostra drywall mais “verde” que blocos cerâmicos
Líder global em construção leve e sustentável, a francesa Saint-Gobain promoveu no Brasil estudos comparativos entre dois perfis de parede interna e descobriu que as peças desse tipo produziam uma série de benefícios ambientais.
O processo pode ser otimizado também com uso de materiais leves. As análises, feitas com dois perfis de parede interna (drywall e blocos cerâmicos de 140 milímetros rebocados com cimento), com um metro quadrado, descobriram que as peças do primeiro tipo produziam uma série de benefícios ambientais.
Bem mais leve, o drywall causaria uma queda de 63% no potencial de aquecimento global. Segundo o estudo da multinacional, os ganhos envolvem ainda uma redução de 49% no uso de energia primária, de 80% no peso do sistema de paredes e de 36% no consumo de água.
Ainda de acordo com a empresa, “a reutilização ou reciclagem de materiais é outra opção pela descarbonização da construção civil. Reutilizar o vidro, por exemplo, torna o item ‘descarbonado’, podendo diminuir o uso de energia em 3% para cada 10% de vidro adotado na construção”.
A partir deste conhecimento, detalha a empresa, o uso de uma tonelada de vidro reciclado reduz as emissões de carbono em 300 quilos, devido à diminuição do consumo de energia.
CECarbon
Por confiar no processo de descarbonização, a Saint-Gobain se tornou a primeira patrocinadora da CECarbon, calculadora de consumo energético e emissões de carbono para edificações desenvolvida pelo Comitê de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Comasp), composto por diversas entidades, como o Sindicato da Indústria da Construção Civil de Grandes Estruturas do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), a Agência de Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ, na sigla em alemão) e a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério do Desenvolvimento Regional.
A ferramenta é de acesso aberto e visa mensurar impactos e contribuir para a identificação de riscos e oportunidades para a cadeia produtiva da construção civil. A CECarbon leva em consideração o ciclo de vida dos insumos empregados na obra, desde a sua exploração e beneficiamento até o momento do uso na fase construtiva. Assim, pode-se optar por construções de menor impacto.
Lançada em 2020, a CECarbon permite a inserção de dados em momentos distintos de uma obra, com a possibilidade de produzir três edições. Dessa forma, é possível comparar dados de projeto com o efetivamente realizado. Os resultados permitem compreender os comportamentos dos indicadores de acordo com as escolhas realizadas ao longo do processo, abrindo caminho para uma melhor gestão de impactos da edificação.