O ano da retomada, ninguém duvida
Longe de ser a inofensiva “marolinha” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a crise financeira internacional ecoou forte no Brasil entre o segundo semestre de 2008 e o primeiro de 2009.
Mas se as iniciativas do governo federal para incentivar o consumo já surtiram efeitos positivos no ano passado, ajudando o País a escapar da tormenta com poucos arranhões, em 2010 provocaram um verdadeiro tsunami de investimentos no mercado interno.
Os bons presságios começaram a aparecer logo no primeiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto brasileiro se expandiu 9% em relação ao mesmo período de 2009. Atualmente, a expectativa do mercado é por um crescimento de 7% no final do exercício.
O HVAC-R foi um dos grandes beneficiados pela volta da maré calma na economia nacional. Ao colocar os pés no chão no momento da dificuldade, as empresas do setor aproveitaram para “arrumar a casa” e, assim, evoluir mais vigorosamente quando a tempestade fosse embora.
“Este ano foi muito melhor que o anterior. O Brasil sentiu os reflexos da crise econômica de 2008 justamente no primeiro trimestre de 2009 e alguns segmentos específicos do nosso setor levaram ainda mais tempo para se recuperar, o que acabou resultando num nível de crescimento abaixo do esperado, pois vínhamos de um período excepcional desde 2005”, avalia o gerente de Marketing e Vendas da Emerson, Marcos Eduardo de Almeida. “Em 2010, no entanto, a recuperação econômica foi muito acima do previsto, impulsionada pelo cenário econômico mundial, que coloca o Brasil como um dos principais locais de investimento nos próximos anos”, complementa.
Segundo ele, esse novo ambiente favorável ao País é resultado de uma série de fatores, a começar pela força do mercado interno, componente fundamental para a rápida superação da crise, ao possibilitar o aumento do poder de compra da população.
Além disso, a demanda maior por produtos e serviços estimulou empresas nacionais e estrangeiras a investirem mais pesado no Brasil.
“Para suprir tudo isso, existe a necessidade de ampliação de plantas na indústria, do aumento do número de lojas no comércio e tudo isso se reflete no nosso setor”, explica Almeida.
A grande disponibilidade de crédito também tem favorecido o HVAC-R, na avaliação de Gilmar Savaris, sócio da Airway, para quem o aumento da exigência por conforto térmico é outro fator que vem contribuindo para a evolução do setor.
O empresário, que projeta um crescimento de 60% para este ano em relação ao anterior, já colhe frutos dos investimentos previstos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, ambos no Brasil.
Isso porque sua empresa possui negócios com fornecedores da linha automotiva, como ônibus e metrô, cuja preparação visando os eventos esportivos já teve início, repercutindo de maneira positiva nas vendas na linha de climatização e ventilação.
“Também temos o grande impulso que a construção civil está recebendo, tendo em vista a necessidade de equipa-mentos para conforto térmico dos novos estabelecimentos”, acrescenta Savaris.
A Ananda Metais igualmente se apegou à construção civil para a retomada neste ano. Para o gerente de marketing da empresa, Matheus Lopes, a tendência é o cenário melhorar continuamente para quem possui negócios com este segmento.
“A conjuntura interna está muito boa, e promete melhorar ainda mais, uma vez que o Brasil é a bola da vez no cenário internacional. Visto que o primeiro passo para sustentar o crescimento do País será investir em sua infraestrutura, a construção civil ainda tem muito espaço para crescer”, prevê.
Demanda x Oferta
A explosão dos negócios no frio foi tamanha, que nem sempre as empresas puderam atender à forte demanda do mercado. Não fosse isso, os níveis de crescimento do setor seriam ainda maiores, avalia o gerente comercial da Novus, Valério Galeazzi.
“Ocorreram empecilhos na oferta de componentes eletrônicos que, com o aquecimento das vendas, tiveram grande procura e baixa oferta em virtude do ano passado. Estes atrasos impactaram em alguns projetos no Brasil”, pontua o profissional.
A Midea enfrentou problemas semelhantes no setor de ar condicionado, notadamente no final do primeiro semestre. “No meio do ano houve uma falta de insumos mundial. Basicamente, de motores e compressores, o que nos afetou. Foi muito bom, mas poderia ter sido ainda melhor se não fosse isso, que logicamente provocou a falta de produtos no meio do ano”, revela Thiago Guerrer, gerente nacional de Vendas.
Com a demanda por produtos maior do que o seu estoque, a Danfoss se movimentou para encontrar soluções visando atender às necessidades de seus clientes.
“Voltamos a ajustar os estoques de acordo com a nova demanda e também a contratar pessoal para fazer frente ao maior volume de negócios”, relata Sandro Sandanelli, vice-presidente da Divisão de Refrigeração e Ar Condicionado da Danfoss América Latina, que cresceu 30% em relação ao ano anterior.
A Polipex adotou estratégia semelhante antes mesmo de as vendas estourarem, o que a possibilitou ter material para todos os clientes. O investimento na ampliação dos estoques, intensificado no final de 2009, não apenas evitou aumentos em sua tabela de preços até aqui, como garantiu, de antemão, o abastecimento do mercado para os próximos 12 meses.
“Apostamos desde o início que a crise não seria longa, optando por adquirir o máximo possível de matérias-primas”, explica John Johannes van Mullem, presidente da empresa.
Já a A. Dias optou por outro tipo de ação, que no fim também se mostrou eficaz. “Procuramos outros fabricantes que nos ajudaram a atender nessa falta de produtos. No início, a troca de marca foi difícil, porém agora está sendo aceita em nosso mercado com muito sucesso”, comemora Rafael Dias, diretor comercial da empresa.
Problemas recorrentes
Ao mesmo tempo em que o real valorizado aumentou as vendas no mercado interno, provocou efeitos negativos aos exportadores. Uma das empresas afetadas por isso foi a Ananda Metais.
“Como alguns materiais que utilizamos são importados (acessórios para portas frigoríficas por exemplo), a conjuntura do momento acaba por criar uma certa tensão na política cambial. A consequência disso é uma variação do dólar, que impacta diretamente no custo do produto, dificultando o planejamento de vendas. Acredito que agora, com as eleições já definidas, voltaremos a gozar de uma certa estabilidade”, analisa Matheus Lopes.
A Metalfrio também tem encontrado dificuldades nesse ponto, mas tratou de mudar o seu foco para poder seguir em frente com a mesma força. “Se por um lado nossa economia está forte, temos uma situação cambial desfavorável para nossas exportações a partir do Brasil, que representam hoje menos de 5% do negócio contra 30% em 2004 e 2005”, conta Luiz Moreira, presidente e CEO da empresa. “Mas se o câmbio atual não favorece as exportações do Brasil para América do Sul, ele abre caminho para que atendamos esta região a partir de nossa planta no México”, completa.
Já na avaliação de Gilmar Savaris, da Airway, o problema maior está nos impostos altos e na concorrência desleal com produtos que não primam pela qualidade. “Isso está nos tirando uma fatia muito grande do mercado”, lamenta.
Essas dificuldades, porém, não são exclusividade da empresa gaúcha especializada em cortinas de ar. A Elgin também reclama da valorização do aspecto menor custo, em detrimento da qualidade.
“O crescimento poderia ter sido maior e mais lucrativo não fosse a canibalização cometida por novas marcas importadas, que utilizavam os baixos preços como estratégia de penetração. Isso fez com que as margens ficassem cada vez menores, reduzindo os investimentos nos produtos e, principalmente, nos serviços prestados ao consumidor”, ressalta Eliano Santana, gerente nacional de vendas dessa empresa genuinamente brasileira.
A falta de mão de obra qualificada foi outro aspecto que atormentou algumas indústrias do setor. Para o diretor da São Rafael, Augusto Boccia, a forte demanda dos próximos anos já começou a ser sentida neste, e os problemas relacionados a capacitação profissional vieram à tona.
“Já estamos enfrentando dificuldades em diversas áreas. Por exemplo, na contratação de mão de obra especializada. Teremos de rever conceitos importantes para a preparação de novos profissionais, tornando-os comprometidos e competentes”, opina o empresário, que também mostra descontentamento com a política cambial. “Muitos setores da indústria estão sentindo uma forte competitividade de produtos importados, favorecidos por nossa política cambial, elevada carga tributária e baixa demanda internacional, direcionando para o nosso mercado os excedentes externos de manufaturados”, critica.
Realizações
Os problemas conjunturais, porém, estão longe de tirar o brilho do HVAC-R este ano. As empresas do setor terminam 2010 repletas de realizações e boas histórias para contar.
Uma delas é a Dânica, que cresceu 28% no primeiro semestre de 2010 e espera fechar o ano com expansão de 32%. A empresa investiu R$50 milhões em duas linhas contínuas PUR instaladas em Aparecida do Taboado (MS) e Recife (PE). “Com isso, nossa fabricação nessa área está crescendo agressivamente”, acentua Luiz Sérgio Correa, diretor executivo comercial da empresa.
A Metalfrio, por sua vez, tem pelo menos três motivos para comemorar seu desempenho nos últimos doze meses. O primeiro deles é a conclusão da última fase de expansão de sua fábrica em Três Lagoas (MS), elevando a capacidade produtiva para mais de 550 mil unidades por ano.
No mês de julho, a empresa lançou a linha Metalfrio Next, com refrigeradores que consomem 60% menos energia e reduzem em 99% a emissão direta de gases de efeito estufa, como forma de reiterar seu compromisso com o meio ambiente.
“Por fim, anunciamos a construção de uma nova fábrica em Vitória do Santo Antão (PE). Em termos de resultados econômicos, este tem sido o melhor ano da nossa história”, enfatiza Luiz Moreira.
Já a Novus destaca a participação em obras de grande porte, como o Centro de Pesquisa da Petrobras (CENPES), no Rio de Janeiro. “Fechamos alguns bons projetos em virtude de uma maior gama de produtos em nossa linha, dentre os quais CLPs e IHMs. O maior foi a participação na ampliação do CENPES, para onde vendemos equipamentos e sensores para o sistema de ar-condicionado. Ganhamos visibilidade dentro de alguns mercados antes pouco explorados e incrementamos as vendas em diversos segmentos”, salienta Valério Galeazzi.
Na Full Gauge, o grande motivo para satisfação foi a realização do 2º Meeting Club Sitrad, evento que reuniu os principais instaladores do software Sitrad, totalizando 37 pessoas. “Sem dúvida, um evento desse tamanho, com pessoas vindas dos mais diversos lugares do mundo, como Emirados Árabes, Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina e México, é único no nosso setor”, orgulha-se o diretor da empresa, Antonio Gobbi.
Enfim, no final do mandato do presidente Lula, a economia brasileira acabou navegando pela tão sonhada “marolinha” e na expectativa de que a sua sucessora, Dilma Rousseff, acerte a mão ao comandar a nau brasileira em mares pelos quais ela nunca navegou.