ABNT NBR 17037 e estratégias no controle da Qualidade do Ar Interior

Empresas de diversos setores estão correndo para se adaptar à nova versão da ABNT NBR 17037, norma que trata da qualidade do ar interior em ambientes climatizados

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Desde a sua atualização em 2023, a norma ABNT NBR 17037 tem provocado significativas mudanças nas práticas de gestão da qualidade do ar em ambientes climatizados. A principal inovação da norma é a exigência de implantação de um Programa de Gestão da Qualidade do Ar Interior (PGQAI) por toda edificação que possua sistemas de climatização, com foco em uma abordagem sistêmi   ca e contínua.

Mas a adoção prática dessas exigências tem se mostrado um verdadeiro desafio para muitas empresas. Não se trata apenas de seguir um checklist de conformidade, mas de repensar processos, rever contratos, capacitar equipes, investir em tecnologia e, principalmente, mudar a cultura organizacional.

O coordenador da Conforlab Engenharia Ambiental, Robson Petroni, resume bem o novo espírito da norma: “O PGQAI é mais do que um relatório ou um checklist, é o pensar na qualidade do ar como um todo. Isso significa que os fatores que afetam a qualidade do ar, como pessoas, atividades, materiais, mobiliário, limpeza, manutenção e o próprio sistema de climatização devem ser avaliados de forma integrada”.

Muitas empresas, ao tentarem se adequar à norma, descobrem que não basta realizar medições periódicas da qualidade do ar. É preciso analisar causas, identificar riscos, criar planos de ação e documentar tudo sob supervisão técnica.

Petroni relata que o maior desafio enfrentado é justamente essa mudança de mentalidade: “É necessário que todas as esferas da edificação — facilities, operação, manutenção e até os usuários — compreendam seu papel na gestão da qualidade do ar.

Segundo Osny do Amaral Filho, representante do CREA-SC e vice-presidente do PNQAI – Plano Nacional da Qualidade do Ar Interior, a nova norma técnica da ABNT NBR-17037/2023 – Qualidade do Ar Interior em ambientes não residenciais climatizados artificialmente – padrões referenciais, substitui agora a resolução nº 09 da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, revogada em julho, que versava sobre Padrões Referenciais de Qualidade do Ar Interior em Ambientes Climatizados Artificialmente de Uso Público e Coletivo.

“A NBR 17037 passa a regulamentar as atividades no setor, tornando os parâmetros e itens de controle mais atuais e conforme o desenvolvimento da engenharia de QAI em nível mundial. Essa informação é importante para todos os engenheiros mecânicos e as demais especialidades que trabalham com projetos de climatização, ar-condicionado, renovação de ar e PMOC – Plano de Manutenção, Operação e Controle. Lembrando que a NBR 17037 pode ser obtida gratuitamente através do portal do CREA-SC no CREANET profissional, por meio do convênio com a ABNT, que dá acesso ilimitado a todas as normas atualizadas em tempo real”, informa Osny.

Principal inovação é a exigência de implantação de um Programa de Gestão da Qualidade do Ar Interior em ambientes climatizados

Desafios técnicos, operacionais e financeiros

A implementação da NBR 17037 envolve custos. Além das análises periódicas (que devem ser feitas por laboratórios acreditados segundo a ABNT NBR ISO 17025), muitas edificações precisam passar por reformas para corrigir problemas estruturais que afetam a qualidade do ar como infiltrações, falhas em dutos, filtros inadequados, e sistemas de HVAC-R subdimensionados ou mau conservados.

Um caso real citado por Petroni ilustra bem esse cenário. Uma edificação enfrentava queixas constantes de mau odor. O cliente desenvolvia análises da qualidade do ar semestralmente (como definido na ABNT 17037:2023) mas não possuía histórico de não conformidades. Contudo, o problema era nítido e todos os que chegavam ao ambiente logo percebiam a questão. Com a implantação do PGQAI foi constatado diversas falhas, que juntas, eram as responsáveis pela existência do mau cheiro. Constatou-se que cadeiras, carpetes e estofados possuíam manutenção inadequada e que isso era inerente às especificações do contrato. E somados a isso, o sistema de HVAC-R não funcionava conforme especificações do projeto, não sendo capaz de garantir níveis de umidade relativa do ar adequadas.  O mal-estar era grande e o problema era tão sério que colaboradores se recusavam a ir trabalhar no ambiente, justificando a atitude ao fato de que o ambiente possivelmente era insalubre. Com o desenvolvimento da análise de riscos e oportunidades, e a implantação do PGQAI, foi possível corrigir o funcionamento do sistema de HVAC-R e implementou-se novas práticas de limpeza, com um plano rigoroso de manutenção e fornecedor qualificado. Este conjunto de ações levou mais de 12 meses para ser implementado, mas hoje a organização dispõe de um ambiente saudável e adequado aos colaboradores, com redução do nível de absenteísmo e aumento da satisfação e produtividade. Isso se reverteu em ganhos financeiros. Há outros cases de sucesso, em hospitais, edifícios comerciais, residências e indústrias, todos corroborando que investir no PGQAI traz retornos financeiros à organização.

Além disso, a norma exige que a edificação tenha um responsável técnico pelo PGQAI, o que implica em contratação de profissionais especializados ou treinamento da equipe interna. Segundo Petroni, ainda que a norma não detalhe a carga horária ou conteúdo dos treinamentos, recomenda-se que o responsável técnico promova capacitações internas e acompanhe os processos que impactam a qualidade do ar.

“Em relação a questão técnica, agora se faz necessário que a edificação disponha de um responsável técnico do PGQAI. Não existe um requisito relacionado a treinamentos e contratações, mas o responsável técnico deve se responsabilizar por estes itens. Convém que todo processo que influencie a qualidade do ar esteja discriminado na Avaliação de Riscos e Oportunidades – ARO, à qualidade do ar, incluindo a prestação de serviços (operacionais, análise, manutenção, consultoria etc.). Tudo que ocorre na edificação deve ser avaliado e aprovado pelo responsável técnico”, informa Petroni.

Um dos fatores que diz respeito à qualificação de fornecedores é o de que todas as análises desenvolvidas precisam ser realizadas por laboratório acreditado na norma ABNT NBR ISO 17025. Toda equipe operacional deve estar ciente dos processos que podem influenciar a qualidade do ar e isso passa por um treinamento sobre como se deve passar essas informações aos usuários e colaboradores que trabalham na edificação (comunicação), sendo este um dos maiores desafios. Para que o PGQAI funcione adequadamente, cada usuário deve ter ciência dos fatores que influenciam a qualidade do ar interior, sendo recomendado às organizações que desenvolvam treinamentos e palestras para todos os usuários, de modo a estabelecer uma cultura voltada aos cuidados à qualidade do ar e ao sentimento de pertencimento ao PGQAI.

Software oferece uma estrutura simplificada e auto declaratória para o PGQAI, com acesso online

Formação e capacitação: onde buscar?

A maior parte dos gestores, engenheiros e técnicos ainda não teve acesso formal à formação específica sobre qualidade do ar interior. Esse é um gargalo sério para a implementação da norma.

No Brasil, entidades do setor oferecem cursos especializados, incluindo programas sobre qualidade do ar de interiores, que abordam desde conceitos básicos até a aplicação prática de diretrizes técnicas.

Outra iniciativa importante é o Plano Nacional da Qualidade do Ar Interior (PNQAI), uma aliança entre ONGs e especialistas que visa difundir o conhecimento sobre qualidade do ar interno em ambientes onde as pessoas passam 90% do tempo. Um de seus frutos é o desenvolvimento do conteúdo programático básico para a formação de gestores de qualidade do ar a nível de pós-graduação.

Para quem domina outros idiomas, há também oportunidades de capacitação em plataformas internacionais, como as da EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos), da FEDECAI (Federação de Empresas de Qualidade Ambiental em Interiores), da AEE (Association of Energy Engineers) e da Indoor Science, que oferecem treinamentos e materiais gratuitos ou pagos.

O papel da cultura organizacional

Petroni ressalta que a maior dificuldade para implementar o PGQAI de forma efetiva não é técnica, mas cultural. “Não se trata de comprar um equipamento novo, mas de envolver as pessoas em uma nova forma de pensar. A qualidade do ar deve ser discutida nos níveis estratégicos da organização e tornar-se parte da cultura corporativa”.

Nesse contexto, é fundamental que os próprios usuários dos ambientes climatizados — sejam colaboradores, clientes ou visitantes — estejam informados sobre os fatores que impactam a qualidade do ar. Algumas empresas já estão adotando palestras e treinamentos básicos para todos os ocupantes das edificações, com o objetivo de promover senso de pertencimento ao PGQAI e engajamento nas ações preventivas.

Embora a adaptação à ABNT NBR 17037 demande investimentos financeiros, tempo e mudança de mentalidade, os resultados têm se mostrado recompensadores. Ambientes mais saudáveis e confortáveis reduzem afastamentos, aumentam a produtividade e, em setores como saúde, ensino e comércio, tornam-se um diferencial competitivo.

A norma ainda é recente, e muitas empresas estão nos estágios iniciais de adequação. Mas a tendência é que, nos próximos anos, o PGQAI se torne tão essencial quanto os planos de manutenção predial ou segurança do trabalho.

A qualidade do ar interior saiu da invisibilidade e quem liderar esse processo desde já poderá colher frutos importantes em saúde, imagem institucional e, claro, resultados financeiros.

Implementação do PGQAI corrigi problemas estruturais que afetam a qualidade do ar como bolor e mofo nos ambientes