O avanço dos refrigerantes ilegais e seus impactos no HVAC-R brasileiro

O mercado paralelo de fluidos refrigerantes ameaça a segurança, compromete a eficiência dos sistemas e cria uma concorrência desleal que exige ação conjunta de toda a cadeia do setor
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O mercado brasileiro de refrigeração e ar-condicionado convive há anos com a presença de refrigerantes vendidos de forma irregular, desde lotes contrabandeados até cilindros falsificados, blends não identificados e recargas clandestinas. Além do evidente risco ambiental e à segurança, a prática prospera porque, em muitos casos, o refrigerante ilegal custa muito menos do que o produto legal, criando um incentivo econômico imediato para instaladores, lojistas e usuários finais. Mas por que a diferença de preço é tão grande e quais fatores mantêm o circuito ilegal ativo? A elevação dos preços dos refrigerantes regulamentados tem várias origens: políticas de redução de oferta, custos de conformidade (licenças, certificações e rotulagem), tributos e taxas de importação, além do custo logístico de fornecedores homologados. Quando políticas de restrição de oferta (como as metas do Protocolo de Kigali para redução de HFCs) entram em vigor, o volume legal disponível cai e o preço sobe, e isso abre espaço para que fornecedores ilícitos ofereçam produto por valores muito abaixo do mercado regulado. Investigações internacionais mostram que, onde houve redução de quotas, o mercado ilegal cresceu porque compradores buscaram alternativas mais baratas.
Para Frank Amorim, analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, sem dúvida, o baixo custo é o grande atrativo. Contudo, como todo mercado ilegal, o grande problema é a falta de consciência e responsabilidade de quem vende e, também, de quem compra este tipo de produto.
“Na nossa visão, é um desafio crônico e perigoso: a circulação de fluidos refrigerantes ilegais, falsificados ou fora da regulamentação. Longe de ser apenas uma questão de concorrência desleal, este problema traz sérias implicações para o meio ambiente, a segurança de técnicos/as e dos usuários/as (empresas e consumidores finais), e na integridade dos equipamentos. Além de poder causar danos graves aos equipamentos (deterioração e corrosão), podem levar à perda de eficiência energética e desempenho, resultando em maior consumo de eletricidade para o usuário (empresas e consumidores finais). Portanto, é um problema tão complexo que entendemos que exige esforços e sinergia de ações entre todos (governo, setor privado e sociedade)”, informa.
Relatórios internacionais e iniciativas brasileiras mostram que o problema é real, internacional e solucionável, mas depende de investimento e cooperação sustentada. Grande parte do produto ilegal vem de mercados onde a produção é barata e o controle aduaneiro é mais frágil. Relatórios de organizações ambientais e operações de fiscalização mostram rotas de entrada por aeroportos, portos e até transporte rodoviário irregular, inclusive com uso de cilindros descartáveis e embalagens falsificadas que driblam controles e tornam possível vender o refrigerante a preços muito inferiores aos praticados por distribuidores legais. Essa disponibilidade externa pressiona os preços e enfraquece o esforço regulatório.
“Um dos principais riscos, falando de fluidos refrigerantes sobre os quais não sabemos a procedência, é a falta de qualidade conforme as normas (ABNT, por exemplo, que tem normas quanto à qualidade, pureza e rotulagem dos fluidos). Então, o/a técnico/a que compra esses produtos não saberá exatamente a composição do fluido que está usando. Esse fluido pode ter um rótulo de R-22, por exemplo, mas pode ter uma porcentagem de fluidos inflamáveis, sem mencionar, o que é um grande risco à segurança do técnico e do usuário. Nosso Projeto para o Setor de Serviços de Refrigeração e Climatização do Programa Brasileiro de Eliminação dos HCFCs (PBH), realizado sob coordenação do MMA no âmbito do Protocolo de Montreal, atua com foco nas “Boas Práticas de Refrigeração” visando capacitar os profissionais da área. Essas boas práticas incluem que os técnicos utilizem fluidos refrigerantes somente conforme as normas (legais) e corretamente (sem deixar vazar no meio ambiente)”, esclarece Stefanie von Heinemann, consultora e gerente de Projetos da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH – agência bilateral parceira do PBH.
Segundo Stefanie, pelo PBH, foram capacitados gratuitamente mais de 17 mil técnicos/as em todo o Brasil, até hoje. Contudo, o impacto do programa é ainda maior, porque todas as escolas parcerias, que são dotadas de tecnologia de ponta (equipamentos e ferramentas doados pelo projeto) assimilam as técnicas de Boas Práticas dos cursos do PBH, nos seus próprios cursos técnicos (mecânica e refrigeração), ampliando a disseminação desse conhecimento.
“Neste ano, cientes da tendência de maior uso de fluidos naturais (como propano) no mercado brasileiro, lançamos o curso Treinamento para Uso Seguro e Eficiente de Fluidos Inflamáveis em Sistemas de Ar Condicionado, que está sendo ministrado por instrutores capacitados pelo projeto em 5 escolas parcerias do PBH, de cinco estados, que contemplam as regiões geográficas do país: Centro Oeste (GO); Nordeste (RN); Norte (RO); Sudeste (SP); e Sul (PR). E já estamos trabalhando para que no próximo ano, esse curso seja ampliado para pelo menos mais 5 escolas, em outros estados. Nossa meta é capacitar 5.000 mil profissionais. Além disso, entendemos que não são só os fluidos refrigerantes que devem seguir as normas e serem bem certificados, mas os profissionais também precisam ser certificados. Para tanto, acabamos de lançar uma “Licitação para a Criação de um Sistema Piloto de Qualificação, Certificação e Registro (QCR) no Setor de Refrigeração”. Nosso objetivo é criar um esquema que melhore a regulamentação do ambiente profissional, reduza os vazamentos de fluidos refrigerantes e garanta a introdução segura de alternativas aos HCFCs, o que coopera diretamente para o combate ao uso de fluidos refrigerantes fora das normas e, portanto, ilegais. Para que esse sistema de certificação, cujo projeto piloto será iniciado em 2026, funcione e tenha sucesso, iremos contar com o importante apoio da sociedade, por meio das escolas técnicas e das entidades do setor parceiras do Programa, como a ABRAVA e a ASBRAV”, informa Stefanie.
Impacto do uso de substâncias não autorizadas no Brasil
O uso de substâncias não autorizadas no Brasil, especialmente no setor de HVAC-R, tem ampliado riscos ambientais, econômicos e operacionais. A entrada de produtos sem certificação compromete a segurança dos sistemas, aumenta a probabilidade de falhas e eleva as emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a prática causa distorções competitivas ao favorecer quem opera fora das normas. Para o consumidor, o barato pode sair caro: equipamentos perdem eficiência, sofrem danos e têm sua vida útil reduzida. O problema, embora conhecido, segue crescendo e exige ações coordenadas de fiscalização, educação técnica e responsabilização da cadeia.
“O impacto do uso de substâncias ilegais pode prejudicar todo o trabalho que realizamos com foco na proteção do meio ambiente, no âmbito do Protocolo de Montreal no Brasil. Por exemplo, nós eliminamos o consumo dos CFCs, em 2010, se entram CFCs por contrabando seria um retrocesso em relação à Proteção da Camada de Ozônio e, também, do clima, porque os CFCs têm um alto potencial de aquecimento global. Da mesma forma, o comércio ilegal pode impactar negativamente no controle dos HCFCs (R-22), que pelas nossas metas será eliminado até 2030. Já pensando na Emenda de Kigali e no comércio ilegal de HFCs, ainda estamos no início da implementação do plano para redução do uso desses fluidos no país. Como estamos traçando uma linha de base de consumo, com base em estatísticas oficiais, se houver a entrada de muitos HFCs contrabandeados, essa linha de consumo no Brasil se tornará irreal, e então teremos problemas sérios na implementação das nossas metas no âmbito do Protocolo de Montreal”, reforça Amorim.
Ele acrescenta que os produtos legais possuem rótulos em conformidade com as normas técnicas, têm procedência garantida e são adquiridos por meio de nota fiscal, com os produtos/substâncias devidamente discriminados pelos distribuidores/fabricantes. Se os fluidos refrigerantes forem sempre comprados em estabelecimentos credenciados e da forma correta, o espaço do comércio ilegal será praticamente nulo. Além disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) vem trabalhando em uma nova instrução normativa que estabelecerá a obrigatoriedade de que os fluidos refrigerantes comercializados devem atender aos requisitos de pureza estabelecidos na Norma ABNT NBR 16.667, o que contribuirá para a conformidade dos produtos.
“Importante destacar que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desempenha um papel central e essencial no controle de substâncias como os fluidos refrigerantes no Brasil. Sua atuação está diretamente ligada ao cumprimento de compromissos internacionais assumidos pelo país, principalmente o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio. O Ibama controla a importação e exportação. É a autoridade responsável por controlar e fiscalizar a entrada e saída de fluidos refrigerantes controlados (como os HCFCs e, mais recentemente, os HFCs, devido ao seu alto Potencial de Aquecimento Global – GWP) no território nacional, em portos e aeroportos. Isso inclui a verificação do conteúdo dos cilindros para combater o comércio ilegal. Destaco também que a extensa faixa de fronteira terrestre e marítima do país, combinada com a complexidade e o volume do comércio internacional, torna o combate ao contrabando de fluidos refrigerantes um desafio constante para o Ibama e órgãos parceiros como a Receita Federal, daí a importância de todo o apoio da sociedade nesse combate. No âmbito da Etapa III do PBH, sob a Coordenação do MMA e implementação do PNUD, serão realizadas ações voltadas para o fortalecimento da fiscalização por órgãos de controle em nível federal, estadual e municipal, para a capacitação dos agentes fiscalização e disponibilização de equipamentos para a identificação dos fluidos refrigerantes. Essas ações contribuirão para coibir o comércio e a importação ilegal de fluidos refrigerantes”, diz o analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Quanto a conscientização, para Stefanie, além das ações de treinamento e do projeto piloto de certificação dos profissionais, o Encontro Nacional de Treinamento de Treinadores em Fluidos Naturais do PBH resultou em 39 instrutores qualificados no curso “Uso Seguro e Eficiente de CO2‚ e R-290 em Sistemas de Refrigeração Comercial”. São instrutores que irão capacitar centenas de alunos/as nos próximos anos em escolas nas 5 regiões do país.
“Durante o encontro, que ocorreu no novo ‘Laboratório Modelo Mini Supermercado com Fluidos Refrigerantes Naturais: CO2‚ e R-290 do PBH’, localizado na escola Firjan SENAI Benfica, no Rio de Janeiro-RJ, o tema ‘fluidos refrigerantes ilegais’ foi bastante debatido. Os instrutores relataram que seus alunos estão bastante preocupados com esse tema, por causa da possibilidade de acidentes graves em campo, motivada pelo alto volume de produtos oferecidos a baixo custo. Ao longo do debate sobre o tema, durante o treinamento, foram destacadas pelos instrutores-especialistas do PBH, que ministraram o curso, as orientações de Boas Práticas em Refrigeração, que devem ser reforçadas aos alunos, no processo de maior conscientização dos profissionais da área sobre o tema. Além disso, foi destacado que é importante a sociedade fiscalizar também e que as irregularidades com fluidos refrigerantes (ilegais, falsificados ou fora da regulamentação, inclusive com rótulos que não deixam claro o uso de fluidos inflamáveis) devem ser denunciadas aos órgãos oficiais (Ibama, Procon, etc.) e para as entidades da sociedade, nos seus fóruns específicos” comemora.
Diferentes elos da cadeia com atuação integrada
O combate ao uso de refrigerantes ilegais no Brasil exige uma atuação integrada entre fabricantes, distribuidores, lojistas e técnicos, cada um responsável por uma parte essencial da solução. Fabricantes podem fortalecer a rastreabilidade, garantir informação clara e ampliar ações de conscientização sobre riscos e impactos ambientais. Distribuidores e lojistas, por sua vez, têm papel decisivo ao adotar políticas rígidas de compra, checar procedência e assegurar que apenas produtos regulamentados cheguem ao mercado. Já os profissionais técnicos, que estão na ponta do atendimento, influenciam diretamente o comportamento do consumidor ao orientar sobre segurança, eficiência e conformidade. Quando esses elos trabalham alinhados, cria-se uma cultura de responsabilidade que reduz incentivos ao mercado ilegal, protege equipamentos e reforça o compromisso do setor com práticas sustentáveis.

Encontro Nacional de Treinamento de Treinadores resultou em 39 instrutores qualificados
“Acreditamos que só uma ação coordenada, a médio e longo prazo, entre governo, setor privado (fabricantes, distribuidores e revendedores) e sociedade (profissionais da refrigeração e usuários em especial) será efetiva no combate aos fluidos refrigerantes ilegais no país. Todos precisam fazer a sua parte. A responsabilidade de exigir comprovação da compra e venda de fluidos refrigerantes, por exemplo, é de todos. Os fabricantes devem garantir os registros dos fluidos no Ibama; os distribuidores e o varejo devem conferir e só podem vender produtos com procedência confirmada; e os profissionais, como os técnicos/as de refrigeração, também devem estar atentos a esse controle e só comprar produto de origem legal. Da mesma forma, os usuários (empresas e consumidores) devem exigir a nota fiscal dos fluidos refrigerantes colocados em seus aparelhos/sistemas, além de contratar somente profissionais habilitados (técnicos formados pelo SENAI e Institutos Federais, por exemplo) que, no futuro, como planejamos, serão certificados pelo sistema QCR que implantaremos a partir de 2026”, conclui Stefanie.






