Refrigeração sólida é apontada como alternativa sustentável e eficiente
A refrigeração sólida ou magnética, tem potencial para transformar o mercado, especialmente em um momento em que a sustentabilidade é uma prioridade global.
A tecnologia de refrigeração sólida tem despertado o interesse de cientistas, pesquisadores e profissionais do setor HVAC-R como uma alternativa sustentável e eficiente aos métodos tradicionais de refrigeração. Baseada no uso de materiais sólidos com propriedades termodinâmicas específicas, essa inovação promete ser uma solução para o controle térmico em diversas aplicações. A tecnologia utiliza materiais sólidos conhecidos como materiais calorimétricos, que têm a capacidade de absorver ou liberar calor quando submetidos a alterações em propriedades como campo magnético, pressão ou tensão mecânica, chamado de efeito calorimétrico, que ocorre em materiais como ligas metálicas e cerâmicas. No campo da refrigeração, em vez de trabalhar com fluidos refrigerantes tradicionais, como os gases fluorados (HFCs, HCFCs), a refrigeração sólida oferece uma abordagem mais limpa, eliminando emissões de gases de efeito estufa, com baixo impacto ambiental. O princípio por trás da refrigeração sólida é a manipulação controlada das propriedades físicas de materiais sólidos para gerar uma troca de calor.
Estudos recentes mostram avanços significativos, com equipes ao redor do mundo desenvolvendo protótipos e refinando materiais para maior eficiência e menor custo, onde pesquisadores estão explorando ligas metálicas mais acessíveis e métodos de fabricação mais simples para tornar a tecnologia competitiva. Esses estudos incluem duas abordagens: a refrigeração magnética, que utiliza o efeito magnetocalórico, onde certos materiais absorvem calor quando expostos a um campo magnético e o liberam quando o campo é removido. E a refrigeração elastocalórica, que se baseia no efeito elastocalórico, em que os materiais absorvem ou liberam calor quando são tensionados ou comprimidos mecanicamente.
Exemplo é o ORNL – Laboratório Nacional de Oak Ridge (EUA), especializado em ciência e tecnologia e administrado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, que estuda o resfriamento em estado sólido com materiais especiais que absorvem e liberam calor quando expostos a um campo magnético, eliminando assim a necessidade de refrigerantes tradicionais e peças móveis. “Esta abordagem não só é mais eficiente, mas também mais ’amiga’ do ambiente. Estes sistemas são mais silenciosos, mais compactos e capazes de controlar a temperatura com grande precisão”, diz a equipe do ORNL, que começou a trabalhar em uma liga com memória de forma magnética composta de níquel, cobalto, manganês e índio.
De acordo com os pesquisadores, esse material tem a capacidade de mudar de forma e retornar ao estado original quando aquecido ou exposto a um campo magnético, processo conhecido como “efeito magnetocalórico”. Durante esta transição de fase, o material absorve calor do seu entorno e depois o libera, resfriando assim o ambiente. A chave para a eficácia desta liga está na sua estrutura atômica, que está próxima de um estado desordenado denominado estado vítreo ferroico, que melhora a capacidade do material de armazenar e liberar calor.
Potencial de refrigeração em estado sólido
A Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong (China), através de pesquisa orientada pelo professor Guoan Zhou e colegas, desenvolveu um sistema de resfriamento elastocalórico em cascata, usando várias ligas com memória de forma diferentes, também conhecidas no campo da robótica como músculos artificiais, feitas à base de níquel (Ni) e titânio (Ti). A equipe selecionou três ligas de NiTi com diferentes temperaturas de transição de fase, uma para operar na extremidade fria, uma no ponto intermediário e outra na extremidade quente.
Ao combinar as temperaturas de trabalho de cada unidade com as temperaturas de transição de fase correspondentes, e fazer cada unidade de NiTi operar dentro de sua faixa de temperatura ideal, a janela de temperatura do refrigerador foi expandida para mais de 100 ºC – em comparação com no máximo 50 ºC das demonstrações anteriores. “No futuro, com o avanço contínuo da ciência dos materiais e da engenharia mecânica, estamos confiantes de que a refrigeração elastocalórica poderá fornecer soluções de aquecimento e resfriamento verdes e energeticamente eficientes de última geração, para alimentar o enorme mercado mundial de refrigeração, abordando a tarefa urgente de descarbonização e mitigação do aquecimento global”, disse o professor Qingping Sun.
De acordo com João Pimenta, engenheiro mecânico, Mestre e Dr. do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília, o setor de HVAC-R enfrenta desafios significativos no cenário atual. “As crescentes preocupações ambientais, aliadas a regulamentações mais rigorosas e a busca incessante por eficiência energética, demandam inovações que transcendam os paradigmas da refrigeração convencional, tornando imperativo explorar alternativas inovadoras”, diz.
A pressão para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, associada ao constante esforço para otimizar a eficiência operacional, destaca a necessidade premente de soluções que transcendam as limitações dos métodos tradicionais.
“Neste contexto desafiador, a refrigeração sólida emerge como uma alternativa inovadora e promissora. A capacidade de manipular o magnetismo para realizar o processo de refrigeração não apenas oferece uma solução eficiente, mas também responde à necessidade urgente de práticas mais sustentáveis no setor de HVAC-R. Sua eficiência energética notável e o potencial para reduzir significativamente o impacto ambiental fazem dela uma candidata proeminente para o futuro do setor”, destaca.
Aplicabilidade
Algumas implementações práticas da refrigeração sólida têm sido realizadas, demonstrando seu potencial. Experiências destacam a aplicação bem-sucedida da refrigeração sólida em centros de dados. Neste tipo de aplicação, a eficiência energética e a capacidade da refrigeração magnética de se adaptar dinamicamente às variações de carga térmica tem impactos significativos na redução do consumo de energia. A implementação dessa tecnologia resultou não apenas em reduções substanciais nos custos operacionais, mas também em uma diminuição notável da pegada de carbono associada à refrigeração desses ambientes críticos.
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), recentemente apresentou resultado das pesquisas feitas com a tecnologia de refrigeração sólida em um aparelho condicionador de ar.
“O trabalho é resultado de uma série de estudos desenvolvidos no Laboratórios de Pesquisa em Refrigeração e Termofísica, sob a coordenação do professor Jader Barbosa, e tem recebido prêmios, um deles da International Conference on Caloric Cooling, concedido à pesquisa do meu doutorado”, diz Fábio Pinto Fortkamp, egresso da UFSC e atualmente professor da UDESC.
De acordo com o professor, há pelo menos 10 anos a universidade busca desenvolver uma alternativa à refrigeração convencional: “O que a gente procura é substituir essa tecnologia por uma outra, baseada em outro princípio, que é o efeito magnetocalórico”, explica.
A busca por um melhor desempenho da tecnologia passa pelo planejamento de um sistema completo, o que tem colocado a universidade como uma das instituições de excelência, em nível nacional, com resultados com repercussão importante também mundialmente.
Outro experimento explora a aplicação da refrigeração sólida em sistemas de resfriamento residencial sustentável. Essa implementação enfatiza não apenas a eficiência energética, mas também a eliminação do uso de fluidos refrigerantes tradicionais, contribuindo para residências mais ecológicas. O estudo destaca o sucesso dessa abordagem em proporcionar conforto térmico aos residentes, ao mesmo tempo em que reduz o impacto ambiental associado ao resfriamento residencial.
Investigações conduzidas exploram também as aplicações industriais em grande escala e destaca como a tecnologia pode ser implementada em setores, como indústria química e farmacêutica, em que a precisão no controle de temperatura é essencial. A capacidade da refrigeração magnética de operar eficientemente em uma ampla faixa de temperaturas e a redução dos custos operacionais foram fatores determinantes para o sucesso dessas aplicações industriais.
Em um estudo mais antigo, realizado por Johnson e Brown, em 2015, analisou a aplicação da refrigeração sólida em sistemas de transporte de produtos perecíveis. Os resultados destacaram a eficiência da tecnologia na manutenção de temperaturas estáveis durante o transporte, oferecendo uma alternativa promissora aos sistemas tradicionais baseados em compressores mecânicos.
“Esses exemplos ilustram a versatilidade e o potencial transformador da refrigeração sólida em várias áreas. À medida que mais pesquisas e implementações práticas continuam a surgir, é evidente que essa tecnologia poderá desempenhar um papel futuro na evolução do setor de HVAC-R”, conclui Pimenta.