Petróleo: um mundo de possibilidades a ser explorado

Quem diria, mas pode estarem alto-mar o futuro de muitas empresas do HVAC brasileiro. Essa impressão fica evidente quando se conversa com profissionais como Marcos Pinto, que desde 2002 vem atuando em plataformas petrolíferas e, a partir de maio último, trabalha no Departamento de Suporte Técnico da Petrobras, lidando com plataformas existentes e,também, futuros projetos.


Dentre as obras mais notáveis em que esse engenheiro mecânico especializado em ar-condicionado já tomou parte esteve a P50, a plataforma da auto-suficiência brasileira, onde participou no detalhamento do projeto básico e, depois, como contratante do sistema e integrante da equipe responsável pela fiscalização da obra.

“Esse segmento andou parado durante muitos anos e agora voltou com força total”, sentencia Marcos. “E deve ser, na próxima década, o top de linha em matéria de ar-condicionado industrial no Brasil, principalmente aqui no Rio de Janeiro”, acrescenta o especialista.

Dentre os fortes indícios disso ele cita a previsão de investimentos da Petrobras em plataformas, algo em torno de US$ 85 bilhões para os próximos dez ou doze anos.

Um verdadeiro banquete em matéria de novos contratos, mas que poucas empresas do mercado predial, segundo ele, estão aptas a participar tais as peculiaridades e a infinidade de normas vigentes no setor.

Embora o sistema de ar-condicionado em si seja relativamente simples, há na área critérios de segurança que precisam ser levados em consideração num projeto do gênero, que envolve, por exemplo, detecção de gás e fogo e muitas áreas classificadas que requerem proteções específicas em cada ponto.

Isso tudo torna decisiva a etapa de projeto, talvez com rigor não encontrado em qualquer outro nicho do mercado.

Que o diga Luiz Regal, sócio da carioca Airmarine, profissional que está na área desde 1982, tendo fornecido equipamentos de HVAC para a pioneira plataforma de Enchova,
naquela ocasião pela Flakt, empresa sueca especializada no fornecimento de sistemas de ar-condicionado para navios e plataformas.

Na empresa que fundou em 1990, juntamente com os também engenheiros Fernando Bittencourt e Wólmer Junqueira, ele vem fornecendo projetos e sistemas para conforto e áreas dedicadas a equipamentos e a segurança dos navios e plataformas, tudo isso
seguindo à risca as inúmeras e rígidas normas da área.

TUDO DIFERENTE
Além das diferenças de projeto, Regal reconhece haver também uma série de peculiaridades construtivas com relação aos equipamentos fornecidos.

“Na construção civil as partes estão totalmente evidenciadas. Você tem projetista, instalador e fabricante de equipamentos. Na área de naval & offshore, na maioria das vezes a instalação é feita pelo estaleiro construtor da plataforma e o projeto, com o fornecimento dos equipamentos e a supervisão de montagem e comissionamento/start-up, corre por conta do fornecedor do sistema de VAC”, constata Regal.

Essa alteração básica na cadeia produtiva, segundo ele, é providencial diante dos prazos e custos normalmente apertados do setor, pois ao envolver sua equipe interna na instalação do ar-condicionado, o estaleiro construtor otimiza sua mão-de-obra, cabendo ao fornecedor nesse momento a tarefa de supervisionar a montagem.

Isso libera empresas como a Airmarine para uma maior dedicação ao seu foco de atuação, que é a engenharia de sistemas e equipamentos especiais. “Vale notar que a instalação em si pode ser feita pelo próprio pessoal do estaleiro, porque a mão-de-obra destes trabalhadores é qualificada bastando apenas a supervisão do fornecedor”, observa o engenheiro.

Outro fato marcante nesse segmento foi a chegada de construtoras como Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez, que passaram a competir diretamente com os estaleiros, atraídas pelos claros sinais de retomada demonstrados pelo mundo do offshore no final da década de 90 e também pela escassez de grandes obras do governo federal.

Com suas grandes estruturas já utilizadas na construção civil, essas empresas passaram a
contratar profissionais da área naval, pois mesmo com suas agendas repletas de fornecedores confiáveis para o perfil anterior, precisaram sair em busca de novos colaboradores habilitados a lidar com as muitas particularidades de um segmento onde as
construtoras só resolveram entrar de forma decisiva no começo deste século.

Por exemplo, empresas da área necessitam de um corpo técnico altamente especializado, pois a engenharia envolvida é muito maior do que na construção civil, onde há um projeto básico definindo a filosofia do sistema e um outro, desenvolvido para a etapa de instalação, e que uma vez executado, dá origem ao sempre tão aguardado start up.

Quando se fala de plataformas e grandes petroleiros, antes do fornecimento propriamente dito tem lugar um embate muito forte com a engenharia do cliente para atendimento não apenas às normas da Petrobras, mas também aos requisitos das sociedades classificadoras, que atuam como verdadeiros fiscais durante todas as etapas do fornecimento.

PRÉ-REQUISITOS
Boa parte de toda essa complexidade foi redobrada após o naufrágio da plataforma P36 na Bacia de Campos (RJ), em 2002.

Segundo o diretor da Airmarine, a tragédia acabou ampliando as exigências em torno de normas e procedimentos em todos os equipamentos destinados a obras do gênero, que passaram a obedecer a especificações cada vez mais rígidas, um cenário complexo pelo qual o ar condicionado não poderia passar ileso.

Paralelamente, a Petrobras passou a exigir sistemas mais confiáveis, até mesmo para evitar as onerosas manutenções a bordo.

“Um parafuso que custe 10 centavos pode ter seu preço multiplicado por 100 até chegar à plataforma”, pondera o engenheiro e empresário, referindo-se à complexidade logística para transporte e armazenagem de cada um dos milhares de componentes necessários ao funcionamento dessas verdadeiras cidades flutuantes, aonde chegam a trabalhar diariamente algo em torno de 200 pessoas.

Mas antes de serem instalados, os equipamentos passam por um completo roteiro de inspeções e testes, tudo muito bem documentado e acompanhado de perto pelo cliente, tanto em matéria de documentação quanto de testes e ensaios, pois não pode haver dúvidas sobre o funcionamento perfeito dos itens embarcados.

Por isso mesmo, todo equipamento é fornecido com seu data book contendo informações técnicas, certificados de material e relatórios de testes de forma a permitir completa rastreabilidade. “Até os parafusos precisam ter certificados dos processos de bicromatização e cadmiação”, exemplifica Regal.

No caso específico do ar condicionado, como agravante existe a possibilidade de danos poderem ser causados a uma série de equipamentos da embarcação, caso a temperatura fuja dos padrões desejáveis em salas de controle, painéis elétricos e outros locais delicados.

Resistência mecânica, em virtude do balanço constante do mar e do próprio manuseio durante o transporte até o local da instalação, bem como a capacidade de resistir à agressiva atmosfera marinha constituem verdadeiras palavras de ordem no setor.

Sobretudo, ao se considerar que as plataformas passaram a ser quase que, exclusivamente, flutuantes para permitir prospecções em águas profundas, muitas vezes com mais de 1500 metros de profundidade.

Isso tem exigido muito mais de equipamentos e instaladores em comparação ao que ocorria nas pioneiras Enchova e Namorado, por exemplo, que eram fixas e se prestavam a atividades no máximo a 200 metros de profundidade.

Daí o aço inox ter se transformado num pré-requisito, assim como ventiladores cujos mancais suportem no mínimo 40 mil horas de funcionamento, ou ainda sistemas de filtragem resistentes a ponto de requerer troca do elemento filtrante apenas a cada dois anos.

1
Outra empresa que tem vivido de perto a efervescência em torno do setor petrolífero para os fornecedores do HAVC é a Johnson Controls, pois dentre os negócios absorvidos com a aquisição da York International está a condição de parceira e representante no Brasil da Novenco, marca de origem dinamarquesa com 60 anos de história atendendo às necessidades do segmento naval, notadamente na área de prospecção de petróleo.

Em termos práticos essa herança se expressa, hoje, pelas unidades resfriamento de líquidos (chillers) produzidas na fábrica de Vila Anastácio, em São Paulo, e fan coil Baby de cabines, fabricados pela planta curitibana da York.

A empresa comercializa ainda toda a linha Novenco, importada da Dinamarca, para o mercado naval e offshor composta pelas AHU (Air Handling Units – Unidades de Manuseio de Ar que filtram, resfriam, aquecem ou umidificam o ar de acordo com as condições externas e as necessidades internas), bem como fancoils, self contained, ventiladores centrífugos ou axiais e toda a parte de acessórios (dampers, caixas de filtragem, grelhas, difusores, caixas plenum etc).

De acordo com Eloim Faria de Almeida, engenheiro mecânico da Jonhson Controls International há oito anos, e desde janeiro último gerente Comercial da área naval e offshore da empresa, a climatização no setor petrolífero prende-se, basicamente, aos
aspectos conforto e processos.

No primeiro caso, ao climatizar cabines e demais instalações freqüentadas pelas tripulações e, no segundo, para climatizar e ventilar salas de painéis elétricos, laboratórios e salas de máquinas.

Nas duas áreas, segundo ele, houve mudanças sensíveis com a decisão anunciada pela Petrobras, a partir da plataforma P50, de substituir a distribuição do ar antes feita por sistema de dutos, pela adoção de sistema de distribuição de água gelada, utilizando chillers, permanecendo em concepção dutada apenas a renovação do ar interno.

Os motivos para essa mudança de rota, segundo o engenheiro Marcos Pinto, da própria Petrobrás, não se restringem à otimização dos espaços, algo crucial no interior de uma plataforma petrolífera, mas também à necessidade de um melhor controle de temperatura os recintos, principalmente os camarotes e ambientes dos chamados módulos de acomodação e escritórios.

“É mais fácil controlar fluxo de água ao invés de fluxo de ar, pois além de cada pessoa sentir mais frio ou calor de acordo com o seu próprio metabolismo, o sol incide de forma diferente de um lado ou do outro, e as pessoas tendem a fechar e abrir dampers e grelhas. Essa variação constante pode desbalancear o sistema de ar”, pondera Eloim.

No entanto, segundo ele, com água gelada e fancoils independentes em cada cabine, é possível controlar apenas a velocidade (baixa, média ou alta) do ventilador de cada fancoil, sem afetar o sistema de distribuição de água nas outras dependências.

Embora providencial do ponto de vista funcional, essa mudança de filosofia mexeu com os projetos e o desenvolvimento de equipamentos novos, como os Baby fan coils produzidos pela Jonhson Controls.

Para atender as especificações da Petrobras por exemplo, a bandeja de condensados desses dispositivos normalmente de plástico, precisou ser aço inox, enquanto as serpentinas e aletas devem ser em cobre.

Outro cuidado extra é a colocação de dois drenos na bandeja, porque o movimento do mar impede que o navio fique plenamente na horizontal e o balanço constante pode impedir que a água escoe de forma adequada.

Além disso, a pintura dos equipamentos passou a ser especial para resistir à corrosão, em um ambiente marítimo nocaso dos chillers, os tubos para condensadores em cupro-níquel
para água salgada e os espelhos em aço carbono, protegidos por uma placa de cupro-níquel (CLAD).

Há ainda anodos de sacrifício, cartuchos de metal localizados na estrutura do condensador que corroem no lugar dos equipamentos.

A área de controle por sua vez, os chillers necessitam de painéis microprocessados (CLP), de acordo com exigências específicas.

“Fizemos todo esse desenvolvimento em parceria com a área especializada no assunto na York Controls, da Dinamarca e alguns fornecedores aqui do Brasil qualificados pela própria Petrobrás”, explica Eloim.

CUIDADOS ESPECIAIS
Veja alguns aspectos específicos de uma instalação naval, off shore segundo o engenheiro da York:

pressão positiva — imprescindível em algumas acomodações para impedir que eventuais vazamentos de substâncias inflamáveis ou tóxicas penetrem nos compartimentos.

pressão negativa — imprescindível nas salas de baterias, por exemplo, para evitar que ácidos

antiexplosão – em áreas classificadas, com risco de vazamento de gás, ou óleo precisa-se
utilizar equipamentos à prova de explosão.

invólucros – motores elétricos dos ventiladores, por exemplo, precisam ser protegidos por invólucros especiais, de tal forma que inexista o contato entre os ambientes interno e externo, evitando assim que um eventual curtocircuito, produza uma explosão.

materiais anticentelhantes: os ventiladores também requerem carcaças e rotores em ateriais anticentelhantes, ou seja, que não produzam faíscas elétricas.