Necessidades do setor chegam às escolas de engenharia

“Empresa multinacional de grande porte procura engenheiro mecânico especializado no ramo de ar-condicionado e refrigeração para atuar como gestor de sistema”. O anúncio é fictício, mas certamente reflete um anseio bastante atual do mercado: contar com profissionais técnicos que também possuam a capacidade de gerenciar uma instalação, oferecendo ao contratante a sempre bem-vinda redução de custos.

Essa nova necessidade, gerada pela gradual escassez e o conseqüente encarecimento dos insumos energéticos, começa a chegar às escolas de engenharia mecânica que formam os profissionais habilitados a lidar com os equipamentos do HVAC-R.

Para o engenheiro Eduardo Linzmayer, professor da Faap e do Instituto Mauá de Tecnologia, ao longo dos anos as faculdades se distanciaram da realidade profissional, e agora tentam recuperar o tempo perdido, implantando novidades nos cursos. “No Brasil, há a tendência de se formar apenas projetistas e montadores, que são funções importantes para o engenheiro. Porém, ainda somos deficientes em operação, manutenção e reforma, que fazem parte da segunda etapa do processo, tão fundamental quanto a primeira”, argumenta.

Formado pela Escola Politécnica da USP, Linzmayer lidera um processo de reformulação pelo qual passa a disciplina de Refrigeração e Ar-Condicionado do curso de Engenharia Mecânica da Faap. Ele conta que a proposta é levar uma nova visão para o aluno, a do engenheiro que saiba gerenciar o equipamento tecnologicamente de maneira econômica.

Nessa nova fase, os alunos aprenderão conceitos tradicionais como termodinâmica, ciclo de refrigeração, ventilação e ar-condicionado, apresentando por fim um projeto completo. Mas desde o início, segundo o professor, terão contato com os aparelhos e grandes corporações do ramo. Neste ano eles já tiveram a oportunidade de assistir a uma palestra ministrada pela Bitzer e visitaram a Mercedes Benz. Terão, ainda, aulas em supermercados e hospitais, além de utilizar laboratórios patrocinados por empresas.
“A Faap, por sua história, está muito ligada ao empresariado. Porém, havia uma distância grande entre o que era ministrado em aula aquilo que o mercado realmente está buscando, ou seja, a figura do gestor que pretendemos formar”, diz Linzmayer.

O mal uso de dispositivos e componentes e a deficiência em procedimentos básicos, como a troca de óleo, pode fazer equipamentos bem projetados funcionarem aquém de sua capacidade. “Num supermercado o profissional tem de entender toda a dinâmica do estabelecimento. Lá, ele vai encontrar congelados, resfriados, frutas, verduras, legumes, enfim, produtos diferentes que têm de estar acondicionados em ambientes distintos. Então, além da refrigeração, será necessário um sistema de ar-condicionado eficiente. Por isso, é importante que o engenheiro conheça todo o processo de funcionamento. O mesmo ocorre nos hospitais, onde há setores que exigem cuidados específicos na climatização”, explica o professor, destacando que as escolas muitas vezes fracassam nessa hora, deixando de mostrar as aplicações específicas dos equipamentos nos diferentes processos.

Numa grande rede de hipermercados, ele conta que sua empresa está implantando um novo modelo de profissional em que o técnico fará a manutenção do frio alimentar juntamente com a do ar-condicionado. “Isso vai gerar economia. Como o empresário ainda enxerga a manutenção como uma despesa e não um investimento, ele terá a certeza de que só tem a ganhar tendo ao seu lado um profissional como esse”, explica.

Outra falha, na opinião do engenheiro, é a falta de projetos adaptados às nossas características regionais. Trabalhando como consultor de projetos para hotéis, inclusive o comissionamento, ele afirma também ter encontrado bons equipamentos mal instalados. “Sabemos que os norte-americanos e os europeus detêm a tecnologia desses aparelhos, então, temos de adaptá-los à nossa realidade, para que aqui eles também funcionem bem”, defende.

O exemplo da Poli

Com reconhecida importância na área de projetos e desenvolvimento científico, a Escola Politécnica da USP está aproveitando laboratórios de última geração, montados para os cursos de pós-graduação, para fomentar a disciplina de Refrigeração e Ar-Condicionado, que é optativa para os alunos da Mecânica.
São, ao todo, três espaços dentro da Faculdade: um destinado à refrigeração doméstica, no qual se realizam estudos em equipamentos como refrigeradores e aparelhos de janela; outro para refrigeração comercial e industrial, no qual os alunos fazem ensaios com forçadores de ar em câmaras frigoríficas e estudam métodos para reduzir o consumo de energia, e um voltado ao conforto térmico, que avalia a climatização em ambientes que vão de escritórios a cabines de automóveis e aeronaves. “Trazemos o que há de novo no mercado, e é aí que entra a pesquisa com temas como eficiência energética e edifícios verdes, áreas com as quais os engenheiros mecânicos podem atuar”, diz o professor-doutor, Alberto Hernandez.

Segundo ele, ao sair do curso o aluno já possui uma boa formação, especialmente em projetos, porém ainda tem de buscar uma especialização para trabalhar em segmentos específicos. “A gente entende que uma formação básica forte oferece ao aluno uma flexibilidade maior na carreira”, explica.

Especialmente os cursos oferecidos por empresas líderes do segmento são destacadas pelos professores como ideais para os novos profissionais em busca de especialização. De curta duração e direcionados a determinados tipos de equipamentos, eles são perfeitos para quem busca atualização profissional. “Há bastante oferta do gênero no mercado”, enfatiza Hernandez.

O professor da Poli revela também a existência de um movimento dentro da Universidade para que o engenheiro se aproxime das empresas. A idéia é que logo no começo do curso o aluno possa estagiar. Uma experiência bem-sucedida nesses moldes está em andamento nos cursos de química e computação, nos quais os estudantes, a partir do terceiro ano, alternam quatro meses no estágio a igual período em salas de aula. “O estágio é muito bem administrado na parceria entre empresa e faculdade. O aluno amadurece mais rápido e, quando se forma, é praticamente um profissional feito. Além disso, normalmente já sai do curso trabalhando, pois a empregabilidade no setor técnico é muito alta”, afirma.
Profissionais multidisciplinares são outra clara tendência do segmento, no entender de Hernandez. Os engenheiros, segundo ele, hoje têm de sair de suas salas, onde resolvem problemas de equipamentos com ar-condicionado, bombas ou elevadores e conversar, com conhecimento de causa, com arquitetos e médicos, por exemplo, para torná-los parceiros em projetos que envolvam HVAC-R. “Hoje os sistemas estão ficando mais complexos”, justifica. Isso torna freqüente que alunos de pós-graduação em Edifícios Verdes tenham de fazer cursos na Engenharia para aprender como diminuir o custo da energia empregada no ar-condicionado ou usar a água de forma mais racional nas edificações.

“De que maneira posso melhorar a eficiência energética de um edifício, colocando 1000 metros quadrados de fotocélulas, sem ter certeza de que a estrutura vai agüentar? Como consertar o fan coil de um hospital sem explicar ao médico o porquê da reforma ou como resolver um problema de legionella sem saber o que é isso?, indaga o acadêmico.

Disciplina obrigatória
Na opinião de José de Castro Silva, mestrando em engenharia mecânica na Universidade Federal de Pernambuco, é preciso, além da obrigatoriedade da disciplina Refrigeração e Ar-Condicionado nos cursos de Engenharia Mecânica, seria fundamental mostrar aos futuros profissionais as resoluções, portarias e instruções normativas sobre a produção, importação, exportação, comercialização e utilização de gases nocivos à camada de ozônio. “Com isso, o profissional ficaria ciente dos procedimentos técnicos relacionados aos gases nocivos, não-nocivos e alternativos”, enfatiza o engenheiro.

Acredita ainda que se o profissional do setor, seja ele atuante em projetos, manutenção ou mesmo na prestação de serviços, não cursar disciplina especifica em HVAC-R, certamente terá dificuldades na chamada IOM (Instalação, Operação e Manutenção) de equipamentos como os split system, self contained, water chiller e câmaras frigoríficas. “O risco é comprometer a qualidade dos serviços de manutenção e instalação”, afirma.

Além disso, é necessário conhecer portarias como a 3523/98, do Ministério da Saúde, que exige o cumprimento de procedimentos técnicos por meio do PMOC (Plano de Manutenção, Operação e Controle) em sistemas de climatização acima de 5 TR, bem como as normas técncas da ABNT vigentes na área. “Os fabricantes também possuem vários procedimentos para o correto funcionamento dos equipamentos, ou seja, o profissional recém-formado em Engenharia Mecânica precisa desses conhecimentos para trabalhar corretamente”.

Silva defende ainda que seria muito importante os conselhos de classe (CREA’s) concederem habilitação para projeto, instalação e manutenção de sistemas de refrigeração e ar-condicionado para graduandos em civil, elétrica, mecatrônica e produção, entre outras especialidades da engenharia, que façam pós-graduação na área. “Seria semelhante ao que ocorre com os engenheiros que se especializam em Segurança do Trabalho. Isso também pode contribuir para a melhoria da qualidade técnica dos profissionais e empresas que atuam no setor, ou seja, o engenheiro que concluísse a pós-graduação teria o título de Engenheiro de Refrigeração e Ar-Condicionado”, explica.

Programa Smacna

Recém-formados e profissionais que já atuam com tratamento de ar têm à disposição um curso que oferece o aprofundamento necessário no tema. Trata-se do Programa Smacna, que tem a duração de um ano e a proposta de usar casos práticos para iluminar a teoria.

“Às vezes, somente com o conceito o aluno não percebe a aplicação prática. Então, juntamente com o saudoso professor Raul Bolliger, desenvolvemos um curso que levasse o aluno a pensar sobre problemas de seu dia-a-dia” , diz o professor Antônio Mariani, que também leciona na Escola Politécnica da USP.

São seis módulos que abordam diversos temas relacionados ao tratamento de ar: carga térmica, psicometria, distribuição e circulação do ar, condicionamento e sistemas hidrônicos, refrigeração, elétrica e controles. “Em carga térmica, por exemplo, são mais de 30 horas de programa. O assunto é discutido através do projeto real de uma agência de viagens de três pavimentos. Algo que normalmente não teria tempo de ser visto em detalhes em cursos ou disciplinas ministradas com uma curta duração”, explica o professor.