Propano e isobutano substituem refrigerantes de alto GWP
A aplicação de fluidos frigoríficos naturais na indústria de refrigeração e ar condicionado está aumentando. O fato se deve, em grande parte, às características ambientais favoráveis destas substâncias.
Por mais de um século, a amônia (R-717) tem sido usada, predominantemente, em grandes sistemas de refrigeração, geralmente com capacidades acima de 100 kW.
Contudo, para sistemas de menor capacidade, o uso do R-717 é menos viável por diversas razões técnicas e pelo alto custo dos componentes e equipamentos necessários para esse tipo de fluido.
Portanto, a adoção de outros fluidos frigoríficos naturais, como o propano (R-290) e o isobutano (R-600a), tem sido a alternativa de diversos fabricantes de equipamentos.
O R-600a, cujo ponto de ebulição é -12 °C, é usado principalmente em pequenos refrigeradores e eletrodomésticos. Já o R-290, que atinge seu ponto de ebulição a -42 °C, geralmente é usado em bombas de calor e sistemas de refrigeração comercial leve, como freezers e expositores frigoríficos.
Entretanto, devido à natureza inflamável destes hidrocarbonetos (HCs), a aplicação deles exige ferramentas adequadas, equipamentos de proteção individual (EPIs) e profissionais bem capacitados para manuseá-los.
Segundo os especialistas do setor, a aplicação de fluidos refrigerantes inflamáveis pode ser realizada de forma tão segura quanto a de qualquer outro tipo de substância, desde que as normas de conformidade e segurança sejam rigorosamente respeitadas.
“O risco relacionado à inflamabilidade pode ser reduzido com a implantação de cuidados simples, porém relevantes, como, por exemplo, utilização de baixas cargas de fluido refrigerante, sistema resistente e estanque a vazamentos, com eliminação de fontes de ignição ou uso de componentes elétricos à prova de explosão. É ainda indispensável treinamento para manusear, manter e operar sistemas com fluidos inflamáveis”, ressalta o assessor técnico da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido) Edgard Soares.
Por não prejudicarem a camada de ozônio e possuírem baixo potencial de aquecimento global (GWP, em inglês), os HCs serão cruciais para a eliminação dos hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) e dos hidrofluorcarbonos (HFCs) nos próximos anos.
Segundo os fabricantes de equipamentos de refrigeração e ar condicionado, os fluidos refrigerantes das classes de segurança A2L e A3 serão extremamente relevantes para a redução progressiva dos gases fluorados com efeito estufa (f-gases) na Europa e outros continentes.
De acordo com a indústria, será preciso adaptar os códigos de obras em nível nacional para permitir o uso dessas substâncias alternativas. Por sinal, a Associação da Indústria de Refrigeração e Ar Condicionado do Japão (JRAIA) tem feito reiterados pedidos à União Europeia (UE) para flexibilizar seus códigos de obras e normas a respeito dos fluidos inflamáveis.
Num documento divulgado recentemente, a associação japonesa ressaltou que “a flexibilização oportuna dos códigos de obras e padrões normativos será eficaz para remover as barreiras à transição para refrigerantes de baixo GWP”.
Novidades no mercado
Um dos fabricantes que têm desenvolvido tecnologias para os fluidos inflamáveis é o grupo chinês Midea, que lançou recentemente na Europa o sistema de ar condicionado residencial Easy Series R-290.
A nova linha de splits, exibida na Mostra Convegno Expocomfort (MCE), em Milão, na Itália, foi elogiada por sua alta eficiência, baixo nível de ruído e controle rigoroso da segurança dos materiais.
Devido às suas características tecnológicas inovadoras, o produto recebeu no evento o certificado Blue Angel, selo ecológico mais antigo do mundo, concedido pelo Ministério do Meio Ambiente da Alemanha.
Antes de seu lançamento, a empresa passou nove anos resolvendo os problemas técnicos e desenvolvendo os componentes centrais da máquina, incluindo o compressor para R-290, o trocador de calor, a válvula de expansão eletrônica, o inversor de frequência e os esquemas de proteção de segurança.
Por isso, o aparelho, que atende às diretrizes da Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal, obteve mais de 200 patentes nacionais e internacionais.
Durante a Apas Show deste ano, a Eletrofrio apresentou para o setor supermercadista um rack de alta capacidade de refrigeração com R-290. “Este é o nosso primeiro equipamento fabricado para o mercado sul-americano capaz de atender a sistemas de média e baixa temperatura com fluidos 100% naturais. Nele, o propano circula exclusivamente dentro dos módulos específicos, em pequeno volume, sendo condensado pela água proveniente de um dry-cooler. O glicol e o dióxido de carbono (R-744) são os fluidos secundários que circulam pelos expositores e câmaras de média e baixa temperatura”, explica Rogério Rodrigues, representante da Eletrofrio,
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o desenvolvimento desta máquina frigorífica se insere no conjunto de ações nacionais para o cumprimento das metas do Protocolo de Montreal. “A inovação demonstra o esforço do Brasil na busca de alternativas ambientalmente adequadas para o setor de refrigeração no processo de eliminação dos HCFCs”, salienta Gabriela Lira, analista ambiental do MMA.
Em termos técnicos e regulatórios, o mercado brasileiro está preparado para adotar mais largamente os HCs, conforme avalia o gerente de promoção e estratégia de produto da Embraco, Ricardo Nagashima.
“Mas é preciso tomar todas as precauções necessárias para operar com esses gases de forma segura, tanto do ponto de vista de produção quanto de armazenamento e transporte”, pondera.
Atualmente, a companhia possui em seu portfólio mais de 500 modelos, entre compressores e soluções completas de refrigeração, que utilizam R-290 ou R-600a. “Investimos constantemente em pesquisa e desenvolvimento – de 3% a 4% do nosso lucro líquido anual – para desenvolver os melhores produtos com estes refrigerantes naturais, entregando ao mercado compressores mais eficientes, versáteis e flexíveis”, salienta o gestor.
Vantagens dos HCs
Segundo o professor Cláudio Melo, coordenador do Polo – Laboratórios de Pesquisa em Refrigeração e Termofísica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), os HCs são os melhores fluidos refrigerantes para sistemas comerciais leves.
“Eles têm desempenho de transferência de calor igual ou melhor e menor queda de pressão em comparação com o HCFC-22 e o HFC-134a”, disse o pesquisador durante a 13ª Conferência Gustav Lorentzen sobre Refrigerantes Naturais, realizada na Universidade Politécnica de Valência, na Espanha, entre 18 e 20 de junho.
“Os HCs se misturam muito bem com óleos minerais nas fases líquida e de vapor”, lembrou Melo, acrescentando: “Os óleos sintéticos higroscópicos usados com HFCs podem ser evitados.”
O professor ressaltou que a maioria dos materiais usados nos sistemas de refrigeração com HFCs também pode ser usada para HCs. Estes incluem neoprene, Viton, borracha nitrílica e nylon.
Há também um forte argumento comercial que fortalece a adoção dos HCs, disse o professor. “HCs como o propano e o isobutano são substancialmente mais baratos que os HFCs”, enfatizou.
“Normalmente, um sistema de refrigeração projetado para HCs precisará de 50% a 60% menos refrigerante”, disse.
“A eficiência energética das unidades refrigeradas com HCs é, geralmente, de 30% a 40% melhor do que as unidades com HFCs”, acrescentou.
“Devido a níveis de pressão e taxas de pressão mais baixas, os compressores com R-600a funcionam mais silenciosamente do que as unidades comparáveis com R-134a”, informou.
Medidas de segurança
Nos próximos anos, a maioria dos técnicos de refrigeração precisará elevar seu nível de conhecimento acerca dos procedimentos de segurança para a realização de serviços em equipamentos com R-290, R-600a e outros fluidos inflamáveis.
Enfim, os profissionais do setor precisarão seguir uma rotina ligeiramente diferente depois de identificar se um equipamento utiliza algum tipo de HC, tais como:
– Nunca realizar manutenção em produtos energizados;
– Ter disponível um detector de vazamento para gases inflamáveis. Refrigerantes à base de HCs não possuem odor;
– Usar disjuntores residuais (DR) de no máximo 30 mA e bipolares para ligações bifásicas;
– Garantir o aterramento de todo o sistema. Conduzir uma análise de risco para determinar se o local é apropriado para operar com HCs;
– O local de trabalho deve ser livre de fontes de ignição, como chamas ou dispositivos elétricos que gerem faíscas, como chaves de luz;
– Assegurar a existência de extintores de incêndio;
– Utilizar óculos e luvas de proteção;
– Usar cortador de tubos para desconectar o compressor e as tuberias. Não usar o maçarico para essa atividade;
– Assegurar boa ventilação;
– Definir um programa de manutenção preventiva, com um checklist incluindo a inspeção periódica por vazamentos. A presença de óleo pode indicar pontos de vazamento de fluido refrigerante;
– Usar somente ferramentas e equipamentos aprovados para uso em áreas perigosas.