Isolamento é ponto-chave na regulamentação do setor
O Código de Defesa do Consumidor está sendo fundamental no processo que poderá alterar, nos próximos anos, o perfil do transporte de alimentos no Brasil. Quem aposta nessa tendência são especialistas na área como Lincoln de Camargo Neves, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp e atual presidente do IBF, o Instituto Brasileiro do Frio.
Segundo ele, eventuais problemas registrados na cadeia do frio implicam, hoje em dia, análise minuciosa em todas as fases de processamento e o transporte ocupa lugar de destaque neste contexto.
Embora ainda não exista uma norma que regulamente a construção de carrocerias frigoríficas ou isotérmicas, o que também envolve o isolamento, cuja função é reduzir a transferência de calor da parte externa para o espaço que transporta a carga, há dois anos um grupo de estudos se debruça sobre a questão.
Formada por representantes dos setores de estocagem, distribuição e comercialização de produtos refrigerados, bem como especialistas na cadeia do frio, essa equipe vem estudando a normatização do desempenho térmico destes meios de transporte. “Estamos elaborando a norma que inclui, é claro, a questão do isolamento, para que ela se torne um referencial. Isso é importante no caso das carrocerias para que haja uma interação com a unidade frigorífica a ser instalada”, afirma Lincoln, na condição de coordenador do grupo.
“Queremos evitar abusos, como os observados atualmente, tanto na construção como na instalação e até no reparo das carrocerias, principalmente na parte de isolamento”, completa o especialista.
Já o diretor da Fibrasil, André Allodi, explica que cada indústria possui uma tecnologia própria para a fabricação de carrocerias. Isso ocorre porque não há uma regulamentação e um órgão responsável pela fiscalização. “Queremos separar o joio do trigo. Temos de ter uma norma que diga qual é a carroceria mais adequada para transportar determinado tipo de produto e para qual distância”, afirma.
MATERIAIS
Na indústria dele, que há 20 anos atua nesse segmento, todo material utilizado para o isolamento — desde a lâmina até a expansão do poliuretano — é produzido internamente, ao contrário do que ocorre na matriz italiana, que compra insumos no mercado. O diretor diz que até existem fabricantes no Brasil, no entanto, eles estariam aquém da qualidade que a Fibrasil emprega em seus veículos. “Se pudéssemos, não fabricaríamos estes insumos aqui. Com isso, certamente cortaríamos uma boa parcela dos nossos custos”, assegura.
Também há empresas especializadas na produção de isolantes térmicos que gostariam de atuar de forma mais efetiva no segmento do transporte, porém esbarram em obstáculos até mesmo de ordem cultural.
É o caso da catarinense Epex, que há cerca de dois anos afirma ter tentado uma maior inserção nesse meio, através do poliestireno extrudado, mas encontrou forte resistência por parte dos adeptos do poliestireno expandido e também do poliuretano.
O problema do poliestireno expandido, de acordo com o Gerente Comercial da empresa, Edson Luiz Zago, é o seu curto tempo de vida. “Ele tem baixa resistência à difusão do apor de água, que absorve, ocorrendo, com isso, uma rápida degradação de seu poder isolante”, assegura.
Já o poliuretano, segundo Zago, além de possuir em sua composição substâncias tóxicas e cancerígenas conhecidas como isocianatos, pode gerar, em caso de incêndio, o letal gás cianídrico (HCN).
“Mas o brasileiro, de modo geral, ainda prefere produtos que, inicialmente, pareçam mais baratos, embora muitos deles acabem se demonstrando altamente desvantajosos ao longo do tempo”, lamenta o empresário.
GAMBIARRAS
Também há no mercado empresas e profissionais trabalhando totalmente à margem do transporte frigorificado, e ainda aqueles que, em resposta às pressões dos clientes, acabam transformando seus veículos em carrocerias frigorificadas literalmente entre aspas, na definição de Allodi, que não considera digno atribuir-se esse conceito a carrocerias construídas com madeira e isopor.
O resultado desse mau procedimento, segundo ele, muitas vezes é a chegada da mercadoria ao seu destino com sérias modificações microbiológicas capazes de afetar aspectos como sabor e textura. “O consumidor pode até não perceber essas alterações na qualidade da mercadoria, mas elas existem e a indústria não pode deixar esse barco correr”, enfatiza o diretor da Fibrasil.
Além dos danos provocados na carga, isolamento mal feito ou dimensionado de forma incorreta prejudica o equipamento de frio, que passa a gastar mais energia e óleo. “No fim, o proprietário do caminhão paga mais pela energia consumida, a temperatura do produto é maior e a unidade, evidentemente, é afetada”, explica Neves.
No intuito de banir a informalidade, o grupo que está gerando uma norma para disciplinar o setor concentra seus esforços em aspectos como o fator K, coeficiente que representa a
transferência de calor entre o ambiente externo e a carroceria como um todo. “Antes não havia preocupação com o isolamento adequado. Falava-se coisas como põe tantos milímetros de espessura, mas os transportadores esqueciam da densidade e do próprio fator K”, observa o professor, lembrando também estar sendo estudado qual o material isolante mais adequado às condições brasileiras a ser utilizado nas paredes, portas, pisos e
escotilhas, bem como o melhor método de isolação a ser executado nesse tipo de instalação.
Na opinião do presidente da Anfir – Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários e diretor da empresa paranaense Boreal, Rafael Wolf Campos, padronizar, especialmente no caso da isolação, é fundamental para que não se repitam cenas preocupantes que afirma ter visto em lugares como o Ceagesp , maior entreposto da América Latina.
Lá, segundo ele, apenas uma minoria de transportadores utiliza carrocerias frigorificadas de forma realmente eficiente e capaz de contribuir para a chegada de produtos em bom estado de conservação à mesa do consumidor.
Enquanto isso, países como Estados Unidos e Austrália há muitos anos possuem não apenas uma normatização eficaz, mas também um órgão regulador eficiente nesse campo. “Transportamos a mesma mercadoria que eles, portanto, temos de ter uma padronização para levar os produtos brasileiros para outros países com a qualidade exigida lá fora”, diz Campos.
BOAS PRÁTICAS
Mas o diretor comercial da Armacell, Arnaldo Basile Junior, lembra que mesmo dentro do Brasil, com o aumento do poder aquisitivo dos consumidores, está havendo uma demanda maior pelos gêneros alimentícios industrializados frigorificados. Com isso, a logística tem
de ser cada vez mais ágil e eficaz. “Estudos de especialistas em marketing de consumo identificam que esses itens compõem a cesta premium”, constata o executivo cuja área de atuação é o isolamento térmico.
O aumento da produção nas indústrias de linha branca, segundo ele, corrobora essa mudança nos hábitos do consumidor brasileiro.
No entanto, Allodi alerta para o fato de que a conservação da mercadoria refrigerada não depende apenas de uma normatização para a construção da carroceria, mas também de boas
práticas em toda a cadeia do frio. Ele afirma, por exemplo, que de nada adianta a manutenção da temperatura ideal durante o transporte, se ao chegar ao supermercado há uma demora de cerca de duas horas para a conferência. “Em países desenvolvidos, a cadeia do frio é muito mais séria, já que ela não depende apenas de um fator específico. Quando falamos sobre isolamento, ele está presente na câmara frigorífica da fábrica do produto,
na carroceria e também no expositor. Trata-se de um sistema totalmente integrado”, conclui o diretor da Fibrasil.