Alameda Glete e o comércio de rua diante do desafio digital

Comércio de peças e acessórios de climatização e refrigeração da Glete se reinventa, alia experiência física à digital e transforma o balcão em centro técnico de soluções, treinamentos e networking

 Na tradicional Alameda Glete, no bairro de Campos Elíseos, em São Paulo, o entra e sai de profissionais de refrigeração e climatização ainda marcam o ritmo de uma das ruas mais emblemáticas do setor de HVAC-R no país. Conhecida há décadas como um polo de peças, equipamentos e serviços técnicos, a Glete abriga empresas como Frigelar, Friopeças, Karisfrio, Zeon Refrigeração, Disparcon, Frigga Frio, CairoFrio, DSfrio, BlueAr, Tosi, entre muitas outras, que continuam movimentando o comércio especializado.

Um estudo da empresa de pesquisa de mercado Grand View Research mostra que o mercado de peças e acessórios de HVAC-R no Brasil teve faturamento estimado em US$ 717,2 milhões em 2024, com previsão de crescimento para US$ 956,1 milhões em 2030, o que implica uma CAGR (taxa de crescimento anual composta) de cerca de 4,9% entre 2025 e 2030.  E apesar do crescimento exponencial, a região vem enfrentando o mesmo dilema que atinge o varejo técnico em todo o Brasil: como equilibrar a força do atendimento presencial com a praticidade e o preço competitivo do ambiente online.

É fato que a digitalização das compras e o crescimento do e-commerce remodelaram a forma como os instaladores, empresas de manutenção e consumidores profissionais buscam produtos e suporte técnico, porém, algumas lojas passaram a investir em diferenciais que o comércio digital dificilmente consegue replicar, como o suporte técnico imediato, espaços para treinamentos, coworking, estoque disponível na hora e o relacionamento direto com o cliente.

A Friopeças, por exemplo, criou o “Espaço Café”, desenvolvido em parceria com a Gree, para treinamentos e demonstrações de produtos. O movimento revela uma aposta no físico, mas com foco em experiência, proximidade e capacitação, mais do que apenas em balcão de vendas.

“São Paulo é um dos principais mercados de atuação da Friopeças e merecia este investimento em parceria com a Gree numa das ruas mais tradicionais do setor. Entendemos que a loja física é fundamental para a fidelização dos nossos clientes e parceiros, pois nos permitirá oferecer mais conforto e um mix ainda mais completo”, informa Daniel Prado, presidente e fundador da Friopeças.

Em 2025, a Frigga Refrigeração inaugurou uma nova unidade na rua, reforçando a aposta no ponto físico e no atendimento personalizado. Para os especialistas, a tendência é que o polo se transforme em um centro técnico de relacionamento, com espaços de treinamento, cafés para instaladores, integração com plataformas digitais e suporte especializado. Ou seja, o futuro não é abandonar o físico, mas redefinir seu papel.

Frigga: O valor do contato humano, aliado à disponibilidade imediata, continua sendo o principal diferencial das lojas de rua

“Diferente de um simples ponto de venda, a Frigga Frio traz um conceito inovador para o mercado. Um dos destaques é o espaço de coworking exclusivo para técnicos e instaladores, que visa oferecer um local de apoio e estrutura para que os profissionais possam trabalhar e interagir com colegas. Queremos ir além do fornecimento de produtos. Nosso objetivo é fortalecer a comunidade de profissionais, oferecendo um espaço onde eles possam se desenvolver e encontrar as melhores soluções,” explica Paulo Neulaender, diretor da Frigga Frio. “A loja também dispõe de uma área de treinamentos dedicada, equipada para a realização de workshops e cursos. O objetivo é manter os profissionais atualizados sobre as mais recentes tecnologias e práticas do mercado de refrigeração e climatização”, acrescenta.

Soluções híbridas

Diante desse cenário, o comércio físico tem apostado em soluções híbridas, como o atendimento digital com retirada imediata na loja e a comunicação mais ativa nas redes sociais. Porém, mesmo assim, o comportamento do cliente técnico também mudou. “Hoje, o comprador chega com o celular na mão, comparando preços e conferindo modelos, porém a compra é feita no balcão. Na venda física, o cliente pode tirar dúvidas, testar e não errar no produto”, comenta Waldir Batista Lacerda, atendente da Disparcon, que trabalha há 10 anos na loja.

A visita à loja deixou de ser apenas o momento da compra: tornou-se parte da pesquisa, da busca por informação e da checagem de credibilidade. Os lojistas reconhecem que o fluxo de visitantes já não garante conversão imediata, e que a decisão final muitas vezes é influenciada pelo preço online.

A questão do preço também é apontada como o ponto mais sensível. “Podemos mudar o layout e fazer promoções, mas a venda na loja continua essencial, mesmo quando o cliente compara o preço com o marketplace”, acrescenta Waldir.

Outro fator que pesa é a estrutura física. A operação de uma loja especializada envolve custos fixos altos como aluguel, funcionários, manutenção de estoque técnico, que o e-commerce não tem. Por isso, a eficiência operacional e o valor agregado do serviço passaram a ser determinantes. Se a loja for igual ao site, vai perder. Mas se for mais humana, mais resolutiva e imediata, esse é o caminho.

Mesmo diante dessas transformações, a Glete mantém importância simbólica e comercial. É um ponto de referência para quem precisa de uma peça urgente, uma segunda opinião técnica ou uma solução que depende do olhar do profissional experiente. “Quando preciso de algo para o mesmo dia, prefiro vir aqui. Se erro um modelo, perco o serviço. Aqui posso ver, comparar, testar”, conta João Batista de Souza, instalador que há 15 anos compra no bairro. O valor do contato humano, aliado à disponibilidade imediata, continua sendo o principal diferencial das lojas de rua.

Espaço Café, desenvolvido pela Friopeças em parceria com a Gree, para treinamentos e demonstrações de produtos

Para Neulaender, há muita bagagem a ser dividida na Glete: “No nosso caso, temos uma equipe experiente, motivada e treinada, sem falar naquilo que venho procurando aprender e transmitir ao mercado nesses 40 anos de refrigeração. Idealizamos uma área de coworking aberta a quem estiver na região e queira dar uma parada, tomar um café, conversar com alguém, organizar a agenda, além de nosso auditório para 40 pessoas”.

Ao mesmo tempo, novas áreas, como a Barra Funda, vêm atraindo lojas e distribuidores pela facilidade logística e maior espaço para estacionamentos, algo que na Glete se tornou um desafio. Esses fatores urbanos, combinados com o avanço da digitalização, explicam parte da migração de fluxo e a necessidade de reposicionamento da região.

A loja de rua ainda tem espaço, desde que comunique com clareza o que o cliente realmente ganha ao estar ali: atendimento humano, resposta imediata e confiança. Afinal, enquanto o preço pode ser comparado em um clique, a segurança de escolher certo continua sendo um diferencial que o digital ainda não substitui.