Novos processos de esterilização aceleram QAI nos transportes coletivos

Filtros HEPA, lâmpadas UV-C, ionização bipolar e fotocatalisadores são aplicados para elevar a qualidade do ar interior em ônibus, aviões, barcos de passageiros, trens e metrôs pelo Brasil.

Se a qualidade do ar que respiramos já fazia parte das preocupações diárias das pessoas – especialmente de quem tem doenças pulmonares ou alergias –, este comportamento da sociedade se tornou ainda mais evidente a partir da pandemia de covid-19, que no Brasil teve início em fevereiro de 2020.

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No auge da crise sanitária, as restrições tomadas nos transportes públicos, como o distanciamento social – quando possível – e o uso obrigatório de máscaras, foram essenciais para barrar uma maior disseminação do coronavírus entre os passageiros.

Da mesma forma, a aplicação de processos tecnológicos para a esterilização do ar interior e desinfecção de superfícies continua no mesmo ritmo. Ônibus, aviões, barcos de passageiros, trens e metrôs pelo Brasil têm passado por uma variedade de procedimentos, como filtros HEPA, lâmpadas UV-C, ionização bipolar e fotocatalisadores.

Estes processos ganharam ainda mais importância para manter a saúde de quem usa o transporte coletivo, uma vez que muitas cidades já suspenderam a obrigatoriedade da máscara. No estado de São Paulo, por exemplo, essa regra caiu em 9 de setembro, após sinalização positiva do Conselho Gestor da Secretaria de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde de São Paulo (SCPDS).

Vale, portanto, para os ônibus da capital paulista (SPTrans), transportes metropolitanos (EMTU, CPTM, Metrô, ViaQuatro, ViaMobilidade), transportes suburbanos (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) e ônibus municipais das 645 cidades do estado.

“A conscientização sobre a importância de cuidar do ar em ambientes fechados aumentou. Um exemplo disso é que antes esse tema era majoritariamente conduzido pela equipe de manutenção, em nível gerencial. Hoje, vemos outros players atentos a isso dentro das empresas, como diretores e outros setores como saúde ocupacional, RH e até marketing”, argumenta o CEO da Conforlab, Leonardo Cozac, presidente do Plano Nacional de Qualidade do Ar Interno (PNQAI).

“A pandemia trouxe à luz um problema que já era conhecido dos especialistas, e a qualidade interna do ar passou a ser um dos fatores mais solicitados pelos colaboradores, como ficou evidente por uma pesquisa da Harvard Business Review. As pessoas passaram a entender o risco de saúde que existe em trabalhar em locais que não têm boa qualidade do ar interno”, emenda o CEO da Ecoquest, Henrique Cury, past-presidente do Departamento de Qualidade Interno (Qualindoor) da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava).

Ambos os especialistas concordam que as ações de prevenção, em relação à adaptação dos sistemas de ar-condicionado, executadas pelo poder público ao longo da pandemia, ficaram aquém do ideal para o tipo de emergência que se abateu no país.

“Observei o surgimento de algumas leis municipais, como o caso de Santos, exigindo um melhor controle e qualidade do ar nesses locais. Mas ainda é muito pouco dentro da real necessidade”, pontua Cozac.

Seu colega concorda que pouca coisa foi feita para proteger os usuários dos transportes públicos, a exemplo da exigência do uso de máscaras em terminais e dentro dos veículos. “É necessária a implementação de normativas visando a melhora da qualidade interna do ar nesses locais de grande concentração de pessoas e, consequentemente, de grande risco”, complementa.

De acordo com eles, cada uma das soluções hoje utilizadas, principalmente lâmpadas UV-C, ionização e fotocatálise, tem sua aplicação e benefícios, devendo ser sempre utilizadas com apoio técnico de especialistas. Estas tecnologias atuam na redução de alguns gases, material particulado e micro-organismos, como fungos, bactérias e vírus.

Luz UV-C

Usada para descontaminação do ambiente interno dos meios de transportes, a luz UV-C atua na desinfecção de tudo o que alcança, como assentos, barras, chão, portas, janelas e paredes desses veículos.

“Se forem usadas adequadamente, essa e outras tecnologias têm eficácia para as superfícies e o ar. Devem ser instaladas por especialistas para serem eficazes e seguras, atentando-se às pessoas e aos materiais de acabamento dos veículos”, pondera Cozac.

Para Cury, a luz UV-C germicida, neste momento, não é economicamente viável para inativação de patógenos no ar e não é tão eficiente na limpeza de superfícies, como ocorre com o uso de produtos de limpeza. “Além de poder danificar materiais, a luz UV-C germicida tem problemas no tratamento de superfícies curvas, pois as sombras que teremos não permitirão o devido tratamento”, alerta.

Tanto o CEO do Conforlab quanto o CEO da Ecoquest acreditam que a tecnologia mais inovadora contra patógenos, em ambientes de uso coletivo, é a fotocatálise. “Este sistema de purificação do ar ativo, que trata o ar e as superfícies, pode ser utilizado em ambientes ocupados por pessoas”, afirma Cozac.

O diretor técnico da Dannenge International, Ricardo Cherem de Abreu, entretanto, salienta que as lâmpadas UV-C para desinfecção de veículos podem ser efetivas em superfícies lisas e totalmente irradiadas, assim como nas serpentinas e dutos do sistema de climatização, onde são usadas de forma contínua.

“A simples desinfecção da cabine do veículo não é representativa, uma vez que o primeiro usuário infectado ao entrar no veículo, quando este inicia seu turno de trabalho, vai lançar contaminantes no ar, e aí é que está o maior problema”, enfatiza Abreu, concordando que a limpeza e desinfecção de superfícies entre turnos de uso é importante, “mas a técnica mais eficaz e recomendada pela Anvisa é a aplicação de desinfetantes químicos, sendo o mais eficiente o ácido peracético”.

O CTO da Dannenge International entende que a ionização bipolar e os fotocatalisadores foram as duas tecnologias aplicadas com sucesso nos sistemas de climatização dos veículos, pois manteve-se a configuração original desses equipamentos.

“A ionização bipolar tem alcance restrito, e basicamente os micro-organismos são eliminados somente na passagem pelos ionizadores. A tecnologia funciona como um filtro, porém de alta eficiência, sem necessidade de alteração dos ventiladores do sistema de climatização. Por outro lado, os fotocatalisadores são equipamentos que geram peróxido de hidrogênio, que arrastado pelas correntes de ar e por meio de difusão gasosa preenche todo o espaço ocupado do veículo”, explica Abreu.

Segundo o especialista, o peróxido de hidrogênio (comercialmente conhecido como água oxigenada) é um poderoso agente biocida para organismos unicelulares, além de excelente oxidante para o controle de gases orgânicos no ambiente. “Ou seja, combate o contaminante no caminho entre o emissor infectado e seus vizinhos”, conclui.

O mesmo movimento em torno da QAI tem ocorrido no exterior. Em Nova York, nos Estados Unidos, uma tecnologia inovadora começou a ser usada em mais de 100 ônibus escolares da empresa Meir Transport, nas regiões do Brooklyn e do Queens.

Aplicada em 87 países, incluindo escolas, hospitais e escritórios, este novo sistema de ventilação de bordo tem diversos níveis de filtragem e desinfecção. Ele também se conecta ao sistema wi-fi e cria um painel da web com informações, em tempo real, sobre as condições do ar interior.

Os sensores fornecem dados sobre temperatura, níveis de dióxido de carbono e monóxido de carbono e patógenos que podem transmitir doenças. Com essas informações disponíveis é possível aos gestores planejar estratégias para prevenção e combate ao novo coronavírus.

Legislações

A partir da disseminação do novo coronavírus, muitos estados e municípios passaram a buscar soluções para o problema gerados pela contaminação do ar e das superfícies.

Em julho de 2020, alguns meses após o início da pandemia, o estado da Paraíba foi um dos pioneiros a aprovar legislação para a prevenção contra a covid-19. O texto, proveniente do Projeto de Lei nº 1.552/2020, do deputado estadual Ricardo Barbosa, determinou às concessionárias de transportes públicos que diariamente realizem a desinfecção e limpeza de seus veículos.

Bem mais tarde, em 12 de janeiro deste ano, o estado do Amazonas publicou a Lei n° 5.789, obrigando as concessionárias que operam no serviço de transporte rodoviário e hidroviário intermunicipal a, semanalmente, realizar a desinfecção e a limpeza dos veículos para a contenção da covid-19.

De acordo com a legislação, as empresas que não cumprirem o disposto poderão ter suas concessões suspensas ou mesmo cassadas. A fiscalização é competência da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados e Contratados do Estado (Arsepam).

Já a cidade de Santos aprovou a Lei Complementar nº 1.165, de 20 de abril de 2022, que entrará em vigor em 17 de outubro, 180 dias após ser publicada no Diário Oficial. Ela institui o “Selo de Qualidade do Ar no Transporte Coletivo Urbano”, que será afixado em cada veículo e conterá a data da última limpeza e manutenção do equipamento de refrigeração.

Além disso, as concessionárias de transporte coletivo urbano deverão apresentar, semestralmente, ao órgão competente da Prefeitura, laudo elaborado por responsável técnico informando as condições de limpeza, manutenção, operação e controle dos equipamentos do sistema de climatização dos veículos, bem como da aferição e atendimento dos parâmetros de qualidade do ar. O descumprimento da lei poderá gerar desde advertência até multa no valor de R$ 1 mil, aplicada em dobro em caso de reincidência.

De acordo com o diretor técnico da Dannenge International, Ricardo Cherem de Abreu, o problema está no fato de que todas as legislações levaram em consideração a transmissão indireta, por gotículas com vírus depositadas sobre superfícies. “Sabemos hoje que o problema principal é a transmissão direta, por via aérea”, salienta.

O executivo comenta ainda que atualmente existem testes que podem ser realizados para avaliar a concentração de determinado contaminante sobre uma superfície e, submetido um ambiente a diferentes condições, por exemplo, sem filtro ou com purificador, é possível inferir a eficácia do equipamento.

“Mas como realizar estes testes de uma forma padrão, de modo que possam ser repetidos e certificados por diferentes entidades? É uma resposta a um problema que a engenharia nacional e os cientistas da área necessitam encontrar e fornecer”, complementa Abreu.