Logística e armazenamento corretos evitam perdas de imunizantes
Ainda cercada de dúvidas e incertezas sobre importação de insumos e fabricação de vacinas em solo nacional, governos ainda buscam maneiras eficazes de transportar e armazenar imunizantes.
Embora os fabricantes de ultracongeladores tenham começado, ainda em novembro de 2020, uma corrida para atender à inédita demanda em torno do armazenamento e preservação de vacinas contra a covid-19, ao menos aqui no Brasil parece que não haverá tantos negócios com esse tipo de equipamento, ao menos em um futuro próximo.
Isto porque o país não optou por adquirir os imunizantes das farmacêuticas norte-americanas Moderna e Pfizer/BioNTech, produtos que necessitam de temperaturas muito baixas, somente atingidas por equipamentos especiais – (-20 ºC e -70 ºC, respectivamente).
Ao firmar contratos de compra dos imunizantes do consórcio britânico formado entre a universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca (governo federal a partir de parceria com a Fiocruz) e da chinesa Sinovac (CoronaVac), pelo governo paulista via Instituto Butantan, o poder público acabou escolhendo imunizantes que podem ser armazenados em geladeiras com variação de 2 ºC a 8 ºC.
“Ambas trabalham com temperaturas ‘elevadas’ em termos de refrigeração encontrada em todo e qualquer equipamento de resfriados e de congelados. Dadas às dificuldades de distribuição e conservação com temperaturas de -70 ºC para a vacina da Pfizer, não acredito que a mesma venha a ser usadas no Brasil, talvez em centros de excelência com tempo limitado de armazenagem”, prevê o presidente do Instituto Brasileiro do Frio (IBF), Oswaldo Bueno.
Coordenador do Comitê Brasileiro de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT/CB-055) e consultor da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), o engenheiro enfatiza que o “Brasil não está preparado para distribuir vacinas com temperaturas de conservação de -70ºC”.
Poder público
Ainda sem um plano específico para a compra desses congeladores, o Ministério da Saúde cogita buscar auxílio nos equipamentos do Ministério da Agricultura, isto se a pasta julgar conveniente.
Mais decididos sobre suas estratégias em relação à armazenagem dos imunizantes, os governos estaduais estão se mobilizando a partir de iniciativas pontuais.
Ainda na segunda quinzena de janeiro, a Bahia, por exemplo, finalizou a licitação para contratar até 100 freezers, com capacidade de 368 litros cada, e temperatura de até -86 ºC, por pouco mais de R$ 30 mil a unidade. Até o final de janeiro, o governo do Paraná estava concluindo a compra de dez congeladores com capacidade para operar a até -80 ºC.
O fornecimento dos equipamentos deve ficar a cargo de reconhecidos players do mercado, como a Indrel Scientific (Londrina/PR), a Coldlab (Piracicaba/SP) e a importadora paulista Lobov Cientifica, que representa a fabricante PHC no Brasil.
Mas qual seria o equipamento de refrigeração ideal para preservar vacinas a temperaturas tão baixas? “É o sistema em cascata, que deve ser montado, ou seja, reduzindo primeiramente a temperatura menor e depois para a temperatura de projeto”, esclarece o sócio-diretor da Setfrio Engenharia de Ar Condicionado e Refrigeração, Vandic Rocha.
Segundo ele, as câmaras devem ser construídas com placas de 200 mm para temperatura de até -70 ºC. Devem ter isolamento duplo para reter a carga térmica externa.
“O ideal seria colocar câmaras frias de grande porte em locais estratégicos, como as capitais, e promover uma distribuição por caminhões com monitoramento remoto, durante todo o percurso em toda a cadeia do frio”, pontua o especialista.
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Para tanto, a Pfizer desenvolveu embalagens e armazenamento adequados para essa demanda global. A multinacional criou os chamados “remetentes térmicos”, projetados com temperatura controlada, utilizando gelo seco para manter as condições de temperatura recomendadas por até 10 dias sem abrir.
Ainda que não haja qualquer sinal de uma possível negociação entre o SUS e a Pfizer, sabe-se, entretanto, que a temperatura ultrabaixa de armazenamento do imunizante não é mais barreira. Afinal, conforme esclarece Oswaldo Bueno, do IBF, os remetentes térmicos da Pfizer podem ser usados como unidades de armazenamento temporário, com gelo seco, para até 15 dias de armazenamento.
Além disso, qualquer posto de vacinação minimamente equipado com geladeira poderá acondicionar o imunizante por até cinco dias em condições refrigeradas de 2 ºC a 8 ºC.
Praticamente impossível
O fato de o Brasil ter esnobado a empresa, logo no começo da pandemia, aliado ao desabastecimento do mercado de vacinas, jogou o País para o fim da fila, tornando a vacinação em massa da população praticamente impossível.
O remetente térmico da Pfizer possibilita, aliado ao uso de freezers de temperatura ultrabaixa de -70 ºC disponíveis comercialmente, estender a vida útil do imunizante por até seis meses. Ao serem utilizadas como unidades de armazenamento temporário, as “caixas” podem ser recarregadas com gelo seco para até 15 dias de armazenamento.
Mesmo se as duas opções já mencionadas forem inatingíveis, ainda é possível operar com unidades de refrigeração normalmente disponíveis em hospitais.
Má refrigeração
De acordo com a Abrava, a má refrigeração pode acarretar uma série de problemas em medicamentos e vacinas/imunizantes, processo que requer equipamentos confiáveis e equipe treinada para minimizar os riscos de perda de produtos.
No caso de medicamentos termolábeis, que derivam de ativos biológicos e normalmente exigem temperaturas de armazenagem entre 2 ºC e 8 ºC, alterações durante toda a cadeia do frio elevam o risco de tornar as substâncias inativas e, consequentemente, sem efeito.
Já os medicamentos termoestáveis, fabricados a partir de substâncias que podem se manter ativas na temperatura ambiente, são eficazes durante um determinado período fora de refrigeração ou, até mesmo, dispensam totalmente a conservação refrigerada.
“Para assegurar o efeito de vacinas termolábeis, é necessário manter a temperatura recomendada em ambiente refrigerado, seja ele de 5 ºC, -20 ºC, ou mesmo -70 ºC, ao longo da rede de frio”, arremata Bueno.
Logística
O transporte das vacinas é outro fator preponderante para que elas cheguem bem até os destinos, sendo especialmente levadas em caixas térmicas com gelo seco em caminhões refrigerados.
No estado de São Paulo, parte da colaboração veio Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas de São Paulo e Região (Setcesp), que se comprometeu a realizar, gratuitamente, essa operação por meio de dez caminhões com capacidade de cinco toneladas, em um raio de até 150 quilômetros da capital paulista.
O presidente da entidade, Tayguara Helou, anunciou a inciativa para o transporte de 50 toneladas da vacina contra o vírus, equivalentes a quase 60 milhões de doses do imunizante.