Enquanto as reformas não vêm
“Bem maior do que o PIB e muito próximo do que foi o ano anterior”. É dessa forma que o presidente da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento, Samoel Vieira de Souza, ilustra o cenário de um ano que muita gente do Frio está considerando não mais do que morno.
De fato, mesmo sem os seus números finais apurados, 2006 não deve ocupar de forma retumbante os anais do HVAC-R brasileiro.
No entanto, o ano que está terminando não chegou a ser catastrófico, em que pese termos convivido com eleições, Copa do Mundo, real supervalorizado e fatos alarmantes que trouxeram à tona os sérios problemas de segurança pública enfrentados pela maior cidade do País.
Em tempos de economia instável, uma mistura de fatores desta ordem, com certeza, causaria estragos bem maiores do que os realmente verificados ao longo dos últimos doze meses.
As exportações do setor, por exemplo, de acordo com DECOMEX e o DEE, respectivamente os Departamentos de Comércio Exterior e Economia e Estatística da Abrava, devem fechar o exercício na casa dos US$ 2,4 bilhões, ou seja, quase 9% acima do volume registrado em 2005, com dólar em queda livre e tudo mais.
Até mesmo quem nunca havia exportado na área acabou estreando. Foi o caso das participantes do Programa Abrava-Exporta, fruto de parceria com a APEX/Brasil que mobilizou, em sua primeira fase, 12 empresas entre agosto de 2004 e junho de 2006.
Outro aspecto altamente positivo, na avaliação de Samoel, foi a busca por eficiência energética e sustentabilidade, com a conseqüente classificação de equipamentos e, já em alguns casos, das próprias edificações. “Isso evidencia a importância do setor como parceiro para ajudar na busca de alternativas e soluções, o que tem gerado negócios para nossos associados”, acrescenta o presidente da Associação.
“Já as política econômica, cambial e fiscal, vem atuando em sentido contrário”, opina o presidente do Sindratar, Rogelio Medela, para quem foram esses os principais motivos para que o setor deixasse de crescer num ritmo maior, “deixando assim de gerar emprego e renda, que são tão necessários ao nosso país”, acrescenta.
Arrumando a casa
Boa parte das empresas da área acabou suprimindo a falta da reforma tributária e tantas outras que há anos se arrastam por Brasília, fazendo aquilo que conhecem muito: arregaçaram as mangas e tendo coragem de investir nos seus negócios.
Um claro exemplo dessa postura pôde ser visto na Isoeste, forte nome em fabricação de painéis isotérmicos, portas frigoríficas, telhas, blocos e moldados de EPS, uma empresa altamente sensível a problemas no agronegócio, uma das áreas da economia nacional que mais oscilam entre céu e inferno numa velocidade espantosa.
“Vimos a necessidade de modernizar as instalações e melhorar nossa logística de materiais. Com isso, adquirimos novas máquinas de fabricação de telhas e painéis isotérmicos ampliando os produtos fabricados em cada unidade, sendo que construímos mais uma, em São José dos Pinhais-PR”, informa Felipe Lansing Saraiva, responsável pela área de Desenvolvimento de Mercado da indústria, hoje também presente nos Estados do Pará, Mato Grosso e Goiás , que abriga a matriz.
Em termos de produto, a Isoeste ressalta o lançamento da GFP, porta Giratória Fixada em Painel, produto que considera uma solução barata e eficiente para pequenas câmaras, “uma vez que já vem montada e apresenta baixo custo”, complementa Saraiva.
A Armacell também investiu em sua fábrica, em Pindamonhangaba (SP) — a fim de ampliar a capacidade de produzir sistemas de isolamento térmico em borracha elastomérica.
Mesmo assim, seu diretor Comercial para o Brasil e Mercosul, Arnaldo Basile Junior, reconhece que nem tudo foi possível resolver com medidas internas. “O baixo crescimento da economia como um todo, acabou por ‘represar’ diversos projetos e investimentos interessantes ao nosso setor”, diz ele, lamentando também aquilo que chama de “emaranhados tributários”, que estariam incentivando práticas irregulares no segmento. Igualmente problemático, na visão dele, tem sido o fato de empresas de engenharia e instalação de ar condicionado firmarem contratos admitindo o faturamento direto de equipamentos e componentes para integradores e clientes-finais.
“Entendemos que esse processo seja irreversível, pois é uma maneira de se evitar, primordialmente, os aumentos de custos gerados pelo refaturamento por causa das taxas e impostos, sem contar as questões econômico-financeiras de mútuo interesse entre as partes, a redução de riscos financeiros etc. Contudo, não é difícil se identificar casos em que esse procedimento não é totalmente formalizado, gerando lacunas que, ao serem analisadas legalmente, não mostram com clareza as responsabilidades econômico-financeiras das partes envolvidas”, acrescenta.
Essa distorção, segundo Arnaldo, acaba enfraquecendo distribuidores e instaladores, além de acarretar ao fabricante o trabalho extra de administrar vendas, algo que em nada agrega valor à sua atividade principal.
Na Full Gauge, onde o ano foi marcado fortemente pelas obras que vão dobrar sua área destinada à produção, implementar novos processos, investir na aquisição de equipamentos, infra-estrutura e formação de recursos humanos foram práticas constantes ao longo de 2006.
“Independentemente do momento político e econômico do país, acreditamos nas pessoas, em nossas conquistas e na capacidade realizadora do nosso trabalho. Sendo assim, continuaremos planejando e investindo no futuro da empresa”, justifica seu diretor e fundador, Antônio Gobbi, que inclui entre as grandes realizações do ano as certificações CE e UL, obtidas pelos instrumentos digitais de sua linha que ainda não possuíam essa chancela internacional de Qualidade.
Transformações internas também evoluíram a pleno favor na Jonhson Controls, organização que, em âmbito global, passou a integrar a operação da York Internacional ao seu negócio, transação que possibilitou a oferta conjunta de produtos e serviços.
“Para manter a competitividade nas exportações temos investido bastante em melhorias de processos, com a utilização de ferramentas como 6 Sigma”, exemplifica o vice-presidente e diretor Geral da Johnson Controls Brasil, Paulo Freire.
Em São Carlos (SP), as áreas Comercial e Financeira da Tecumseh do Brasil afirmam que o ano não foi dos mais fáceis para quem exporta. “Nossas melhores características de empresa exportadora foram postas a prova para que continuássemos a manter nosso espaço no cenário internacional”, reconhecem.
Mesmo assim, embora não detalhe percentuais, a indústria afirma ter conseguido aumentar sua participação no mercado mundial, onde seus compressores herméticos para aplicação em refrigeradores e condicionadores de ar, assim como as unidades condensadoras e os componentes elétricos e eletrônicos registram aceitação cada vez maior.
Tal desempenho exigiu providências internas que a empresa define como “trabalho duro, focado em lançamentos, melhorias nos produtos atuais, e desenvolvimento de novos mercados onde consigamos manter nossa competitividade e lucratividade, além de forte atuação em várias frentes, com vistas a reduzir custos e eliminar despesas”.
Os novos modelos THK, TPK, TLP, TYA e TSA, este último considerado revolucionário pela Tecumseh em função de sua alta performance, ajudaram a atenuar problemas de 2006 como o aumento das principais commodities metálicas e umreal excessivamente forte frente ao euro e ao dólar.
Maré boa
Unir forças com os parceiros foi outra prática freqüente do HVAC-R no ano que está terminando.
Na Semco Equipamentos Industriais, manter em dia o relacionamento com fortes nomes internacionais, como a Baltimore Aircoil (condensadores evaporativos, torres de resfriamento, sistemas de termoacumulação e resfriadores de água com circuito fechado), ajudou bastante no crescimento estimado em 18% pelo diretor da empresa, Wagner Marinho Barbosa.
O pano de fundo desse resultado positivo também foi, em grande parte, a expansão verificada pela empresa em segmentos usuários dos seus produtos, com destaque para mineração, frigoríficos e usinas de açúcar e álcool. Soma-se a tudo isso um aspecto cultural. “O mercado se conscientizou que instalações com condensação a água consomem menos energia que instalações com condensação a ar”, comemora Barbosa, destacando ainda a importância de os produtos de sua empresa terem evoluído no aspecto eficiência energética, um grande atrativo nos dias de hoje.
Mudanças de comportamento no mercado consumidor também levaram algumas forças do HVAC-R a considerar 2006, apesar de tudo, um ano que valeu a pena.
A Danfoss do Brasil se inclui nessa lista, ao apontar a disposição do setor farmacêutico, entre outros, de investir mais justamente num dos seus carros-chefes, os conversores de freqüência e soft starters.
Dentre as surpresas positivas também estiveram as usinas de açúcar e as empresas de mineração, sobretudo nas potências maiores, até 1600 cv, que consumiram volumes consideráveis desses itens, que a empresa traz regularmente de suas fábricas em países como Dinamarca, Estados Unidos, Nova Zelândia e China, uma prática fortemente beneficiada pela baixa do dólar.
Mas para o gerente da área para a América Latina no setor de HVAC-R, Carlos Barbosa Navarro, a preocupação do mercado, principalmente por parte das instalações de ar condicionado, no sentido de economizar energia, também caiu como uma luva num dos pontos requisitos prioritários nas linhas de produção de sua empresa.
Como exemplo disso ele aponta o novo conversor de freqüência dedicado a este setor e também à refrigeração, o VLT HVAC, drive que, segundo Navarro, promove uma mudança na concepção do uso desse componente.
Ao incorporar funções de PLC (Controlador de Programação Lógica), o equipamento liga e desliga iluminação, ar-condicionado e motores de bombas em horários programados.
Já os seus sensores de temperatura e pressão funcionam de forma independente e mostram ao conversor a hora certa de mudar a rotação de compressores, motores elétricos, bombas e ventiladores, medindo ainda o consumo de energia e alertando os usuários sobre as necessidades de manutenção no sistema.
Outra forma de ampliar mercado num período de estabilidade econômica, porém crescimento modesto, foi desenvolver produtos inovadores, capazes de atender demandas reprimidas.
Foi o que fez, por exemplo, a catarinense Polipex, ao conciliar isolamento térmico e boa qualidade do ar interior, dois aspectos nem sempre fáceis de se contemplar num único produto que se destine, por exemplo, a revestir uma rede de dutos.
“Produzido em material quimicamente inerte e atóxico, nosso lançamento mais recente desfavorece a proliferação de microorganismos e não solta partículas nos ambientes”, explica o diretor da empresa, Lineu Teixeira de Freitas Holzmann, ao falar das mantas Polipex Duct, de polietileno de baixa densidade expandido.
Para os segmentos do HVAC-R que já atendia, a empresa tratou de intensificar ações institucionais na área de treinamento, face à crescente exigência das grandes obras por mão-de-obra qualificada em isolamento térmico.
Em conjunto com o seu parceiro na Itália, a L’Isolante K-Flex, da qual é distribuidora exclusiva no Brasil, lançou um programa especial de treinamento e certificação destinado a empresas e profissionais que aplicam polietileno de baixa densidade expandido e borracha elastomérica, materiais largamente empregados pelos setores de refrigeração e ar condicionado.
Efeitos do câmbio
Se, por um lado, o real supervalorizado ajudou quem importa, o mesmo não se pode dizer das empresas antes habituadas a mandar seus produtos para fora.
A Evacon, por exemplo, conhecido nome dos segmentos de evaporadores, trocadores de calor, separadores e reservatórios (de líquidos e óleo) exportava 10% de sua produção e hoje praticamente está zerada nesse campo.
O caminho seguido para compensar essa perda foi a conquista de novos clientes no mercado interno, dentre eles fabricantes de máquinas para ar-condicionado central e equipamentos de refrigeração para supermercados.
Entre os fabricantes de condicionadores de ar, a LG, mesmo registrando um crescimento de 136% nos seus negócios ligados a ar-condicionado, precisou rever sua estratégia de produção, transferindo de Manaus para a Coréia do Sul a fabricação de aparelhos janela de 7.000 e 10.000 BTU/h passando a importar esses itens para o mercado brasileiro. “Obtivemos um bom desempenho, com substancial crescimento no Norte e Nordeste”, comenta o gerente Geral de Linha Branca da empresa, Ivo Lutfi, ao destacar aspectos positivos do mercado interno, dentre eles a melhora no poder aquisitivo dessas duas regiões.
Ao lado da estabilidade econômica e da ligeira queda dos juros, ele considera essa mudança na distribuição de renda do País um dos fatores que ajudaram a LG a contornar aspectos que continuaram preocupantes, tais como a falta de investimentos no setor federal e a eternamente adiada reforma tributária.
Mesmo se beneficiando da isenção de impostos proporcionada pelo Mercosul, ao trazer da Argentina as bombas de alto vácuo que comercializa no Brasil, a Brasbon é uma das que reclamam da forte concorrência externa, sobretudo de produtos asiáticos.
O antídoto para neutralizar esse problema, de acordo com o diretor da empresa, Damian Gaston Prola, tem sido oferecer ao mercado um produto realmente de qualidade, bem como melhores formas de pagamento e assistência técnica ágil, já que o pós-venda representa o grande Calcanhar de Aquiles de muitos importados procedentes do outro lado do mundo.
“Além disso, estamos montando uma rede de distribuidores-parceiros para atingir com preços mais competitivos os pequenas lojistas que são sempre os mais prejudicados”, acrescenta Prola.
Em grandes revendas do setor como a Bandeirantes Refrigeração, a atual febre pelas importados tem dado margem a um comportamento cauteloso, desenvolvido em sintonia com as diretrizes do Ministério do Meio Ambiente e o PNUD, “com a finalidade de evitar a entrada em nosso mercado de produtos importados de baixa qualidade”, observa o diretor Comercial da empresa, Sérgio Dias de Oliveira.
Comércio e Serviços
Outra prática cultivada pela Bandeirantes, ao longo de um ano no qual essa empresa paulistana lamentou aspectos como o baixo índice de investimentos, combinado a incertezas político-econômicas e altas taxas de juros, foi a busca pela consolidação do mercado já conquistado, o que Sérgio atribui em grande parte a uma atuação cada vez mais conjunta com fabricantes como DuPont, Danfoss, Bitzer e Heatcraft
Na mesma faixa de mercado, a Refrigeração Marechal fez de perseverança e otimismo verdadeiras palavras de ordem, segundo informa o gerente Comercial, Afonso Veraldi.
Embora lamente aspectos do ano como a crise na segurança pública, somada às eleições e aos escândalos de corrupção no governo, ele considera altamente positivo não ter faltado mercadoria para vender em sua loja, assim como a tendência de baixa apresentada pelas taxas de juros.
Tudo isso animou sua empresa a investir em renovação, tanto na equipe quanto nos estoques e até mesmo na forma de negociar com clientes e fornecedores.
Especializada na comercialização de splits, a também paulistana Segtron procurou compensar um período que considera de retração geral na economia, patrocinado por baixa liquidez, incertezas políticas e até a Copa do Mundo , no meio do ano, com aquilo que seu diretor, Arnaldo Segal, define como “política de preços agressiva”.
Atrair a clientela com lançamentos como o conjunto Piso-Teto, com novo design na evaporadora e direcionador de ar automático (auto-swing vertical/horizontal) e condensadora compacta equipada com compressor Copeland, foi outra estratégia adotada pela equipe de Segal.
No caso das cortinas de ar, design atrativo e funcionamento silencioso ajudaram a empresa a caminhar para 2007 pensando em crescimento, contando também para isso com uma melhora geral na economia do País
Para Marco Antonio de Souza, da Frimar, 2006 realmente foi um ano fraco, principalmente a partir de maio, quando caiu bastante a procura pela remanufatura de compressores, a especialidade de sua empresa, sediada em São Paulo.
A saída, segundo o gerente Administrativo, foi investir de forma decisiva no departamento de Vendas, embora impulso mesmo nos resultados ele acredite depender de uma questão muito mais tributária do que comercial. “Esperamos que o nosso ramo entre novamente no Simples, o que nos ajudará muito na queda das tributações , alavancando com isso o nosso o crescimento”, diz ele.
Parceira das marcas LG, York e Fujitsu, a Climafrio acha que a baixa dos termômetros foi mais nociva para o seu negócio do que, propriamente, a do dólar. Foi então que resolveu esquentar as coisas por conta própria, investindo pesado em marketing, com anúncio nas mídias impressa e eletrônica, segundo o diretor Comercial, Eulógio Ramaciotti.
Racionalizar a logística operacional foi outra decisão importante, materializada pela aquisição de um prédio próprio, no bairro do Tatuapé, que agora reúne todos os seus departamentos, antes diluídos em dois diferentes imóveis alugados.
A julgar por estes depoimentos e muitos outros que já estão sendo colhidos para a matéria da nossa edição de janeiro, que trará as previsões do ramo para 2007, parece claro que o HVAC-R pode ser taxado de tudo, menos de passivo e acomodado frente à lentidão de um País cuja infra-estrutura atual sequer garante uma tranqüila viagem de avião aos conterrâneos de Santos Dumont.