O que produzir dentro de casa? Eis uma grande questão
Até mesmo concorrentes diretos no setor e, consequentemente, com perfis produtivos no mínimo semelhantes, revelam pontos de vista diametralmente opostos ao falar da conveniência ou não de contar com terceiros em certas atividades.
Os motivos para tais divergências incluem problemas trabalhistas e de clima organizacional que possam surgir em contratações do gênero; busca de competitividade ao focar integralmente o negócio principal e, é claro, o desejo de manter o prestígio do nome, mesmo compartilhando com outro CNPJ o compromisso da qualidade em tudo que empacota e entrega.
“Uma terceirização só faz sentido quando incorre em economia ou aumento de eficiência”, define Matheus Lopes, da Ananda Metais, empresa que só recorre a tal expediente em atividades como limpeza, manutenção elétrica e gastronomia.
Iniciada há cerca de cinco anos, a experiência vem sendo bem-sucedida nessa fornecedora de câmaras frigoríficas sediada em Piracicaba (SP). E as provas disto estão na ponta da língua do seu gerente de marketing. “Mais know-how nas áreas terceirizadas e aumento da eficiência/competência desses setores, que passaram a ser atendidos por empresas especializadas nos seus respectivos serviços”, resume.
A economia de recursos gerada por tudo isto, segundo ele, acaba impactando nas margens praticadas, pois torna a indústria mais competitiva, mesmo sem abrir mão do processo produtivo 100% verticalizado.
A empresa já agiu de forma diferente no tocante à pintura eletrostática, mas acabou amargando dissabores nos campos da qualidade, controle de custos e flexibilidade, conforme relembra Lopes.
“Quando terceirizamos algo deste tipo, não somos os únicos clientes a fazê-lo, e muitas vezes nossas prioridades diferem das do terceiro. Além disso, a resolução de eventuais problemas fica mais simples quando todo o processo é feito na empresa, não precisando envolver outros nesta resolução”, exemplifica o administrador de empresas.
Segundo ele, nos casos em que algum processo se demonstre inviável sob o próprio teto, o melhor a fazer – além da escolha acertada do parceiro – é um contrato muito bem elaborado. “Precisa discutir em detalhes as responsabilidades de cada uma das partes, para que quaisquer problemas que venham a surgir possam ser dirimidos sem grandes consequências”, ensina.
Quem segue raciocínio semelhante é a paulistana Belmetal, que resolveu terceirizar parte da manutenção, mas tem como meta novamente internalizar esta área.
Embora terceiros geralmente possuam mais know-how para assumir aquilo a que se propõem, nem sempre vale a pena se submeter a certas situações estressantes, é a justificativa da empresa para tal diretriz.
Um exemplo clássico disto, de acordo com o gerente de produção, Alexandre Degani, se aplica ao campo logístico, onde os atrasos nas entregas são pródigos em gerar horas extras para a recepção tardia de mercadorias ou insumos. “E se a linha depende deste produto para trabalhar? Qual é o custo por hora da linha parada? Quanto isto gerou de estresse? Vale a pena tudo isso?”
O engenheiro mecânico reconhece ainda que a pressão por custos menores muitas vezes leva o terceiro a deixar a qualidade em segundo plano, sem falar que sua capacidade financeira, geralmente menor em relação à da contratante, acaba gerando desequilíbrios em áreas como a do treinamento.
Exceções, porém, existem. Ele acha a terceirização um bom negócio, por exemplo, para multinacionais que às vezes têm pressa em contratar e não poderiam fazê-lo em função de orçamentos muito rígidos. O mesmo, segundo Degani, se aplica aos segmentos de demanda sazonal, para os quais terceirizar pode ser a solução ideal nos momentos de pico.
PROCESSO CONTÍNUO
Por mais que reconheça não ser nada simples encontrar, manter e aprimorar o parceiro ideal, o gerente geral de manufatura da Whirlpool – empresa detentora das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid – considera um grande mito a crença de que a terceirização se justifique apenas para viabilizar atividades como conservação e segurança patrimonial.
“A verdade é que ela sempre será, primordialmente, uma oportunidade de otimizar custos, mas com uma visão do todo”, pondera Evandro Cavalieri, ao defender que se coloquem nas mãos de empresas especialistas tudo que fuja à competência principal do negócio. “Só assim cria-se a condição de focar no que faz a diferença”, acrescenta o executivo, atribuindo a isto o status de condição básica para que uma companhia realmente se destaque aos olhos do consumidor.
A forte concorrência com os produtos importados, segundo ele, requer que uma indústria seja a melhor naquilo que faz, e os custos para manter tal condição seriam proibitivos sem a utilização inteligente da terceirização.
Na Whirlpool Latin America, por exemplo, onde a área de limpeza e conservação sempre foi terceirizada, há três anos seguiu-se o mesmo caminho para os serviços de refrigeração de toda a fábrica, com resultados que Cavalieri considera bastante positivos. “Maximizamos as atividades de instalação, inspeção e cumprimento de manutenção, com a sensível redução de horas extras e imprevistos”, assegura.
O mesmo ocorreu com a área de manutenção de equipamentos especiais como compressor, secador, rebobinamento de motores e também o sistema elétrico de potência de subestações, a exemplo da produção de peças plásticas, estampados, EPS e eletrônicos, entre outros.
A terceirização, no entanto, é apontada por ele como um processo contínuo e altamente dinâmico. “Nos mantemos sempre atentos, pois num determinado cenário econômico a internalização pode ser mais favorável, enquanto em outro a externalização se apresenta mais atrativa. Além disso, a evolução dos prestadores de serviço pode mudar essa equação a qualquer momento”, avalia o engenheiro mecânico e administrador de empresas.
QUESTÕES TRABALHISTAS
Num país que chegou ao posto de oitava economia do mundo, mas ainda convive com uma lei trabalhista dos anos 1940, certamente haveria conflitos entre empregados e empregadores em torno da terceirização.
Muitas vezes uma relação comercial entre duas pessoas jurídicas se transforma em emprego formal praticamente da noite para o dia, devido à ação da Justiça do Trabalho e até mesmo da Receita Federal, em alguns casos.
Fatos assim, sem dúvida, têm inibido a decisão de muitas empresas de optar por este estilo de contratação tão usual no mundo desenvolvido.
“No início, as terceirizações tiveram um grande embate entre sindicatos de trabalhadores e empresários”, relembra Wilson Lucas, responsável pela área de Engenharia de Aplicação da Indústrias Tosi.
Os sindicalistas, segundo ele, queriam que as empresas verticalizassem ao máximo em nome de sua própria estabilidade, enquanto os empresários tinham problemas com espaço físico para produção e investimentos em ativos optando, portanto, por uma estrutura horizontal.
Foi em meio a esse choque de interesses que acabaram surgindo verdades e mitos hoje evidentes na área.
Os empregadores, por exemplo, diziam que aumentariam os postos de trabalho, principalmente nas áreas administrativas e de gestão, mas isso não aconteceu, enquanto os representantes dos trabalhadores se enganaram ao temer que os terceiros fossem subcontratados sem qualquer garantia e com cargas horárias altamente abusivas.
“Dessa forma, o setor se desenvolveu muito na prática, possibilitando às empresas de serviço e manufatura tanto alavancar seus faturamentos como impor ritmos alucinantes de crescimento, bem acima da média registrada por outros ramos de atividade”, comemora o engenheiro.
Já empresas como a Mipal preferem restringir tal expediente às chamadas atividades meio. “A lei é clara com relação à terceirização de processos intrínsecos ao produto fim”, adverte o diretor industrial Richard Mello.
Independentemente da insegurança jurídica que possa ameaçar uma relação do gênero, há no ramo quem pretira a terceirização por motivos até mesmo de ordem comportamental.
“Eu não vou fazer isso, não vou fazer aquilo”. “Não ganho isso, não ganho aquilo”. Frases assim deixaram de ser ouvidas pelos corredores da Danfoss, desde que a empresa decidiu, há cerca de sete anos, desativar um processo terceirizado para a montagem de caixas elétricas que funcionou durante algum tempo em sua unidade de Cotia (SP).
De acordo com gerente de produção Marcelo Ciosak, a convivência diária entre funcionários pertencentes a empresas com diferentes portes e culturas quase sempre gera conflitos.
Somada à famosa burocracia nacional e uma série de exigências legais quando há terceiros dentro de casa, toda essa realidade tratou de pôr fim à experiência, sendo que dos três terceirizados à época dois permanecem até hoje na empresa, porém integrados ao próprio quadro da indústria de origem dinamarquesa.
E a mudança não poderia ter sido melhor, de acordo com o gerente. “A qualidade do nosso material até melhorou, com o pessoal efetivado se sentindo muito mais motivado e engajado com os nossos objetivos”, conclui.